20071227

oiço quem me diz querer o melhor
oiço quem comigo trava a mesma luta
oiço o que me bate e o que me ouve
oiço o que me move e o que me morre
oiço plavaras, luzes e cores
oiço o barulho do prazer, do silêncio , das estrelas e do pó
oiço me só a mim e ,só, oiço toda a gente
oiço nada ...
e
oiço te a ti mas só eu sei o tanto que isso me diz.

20071206

a noite já é mais
que a própria solidão da morte
e eu já não preciso de ti
basta-me a rápida procura
do beijo mais próximo da minha boca
e este insólito cheiro a álcool
que me alimenta

porque estes tempos
são tempos diferentes
dos mais rápidos tempos de outrora
e tento morrer na memória
para que estes dias que não passam
no presente
se deixem diluir no passado
e desapareçam.


perco-me no desaire
das horas
e o sol nasce quase sempre
no mesmo sitio
à mesma hora
o mesmo dele
ele mesmo

inclino a testa
para o primeiro raio de luz
do dia,
o cheiro a pólvora inunda-me o olfacto
deito-me em posição fetal
adormeço no escarlate
e a ternura é tal
que consigo conceber
que nada de ti se passou
não exististe nunca
nunca estiveste cá
nem o meu corpo esteve vivo no teu.

uma suave brisa,
sou imensamente feliz
assim
nas profundezas do meu maior receio
nas ondas turvas do mar
na tortura masoquista da saudade
no harmónico
eterno calor da noite infinita de inverno.

e no inverno pouso
o resto da alma
onde quer ela exista em mim,

há-de saber melhor lugar
para construir um vendaval de palavras
de corpos imundos
abalados
abduzidos da voz
descidos da varanda mais funda
que a morte conheça

onde quer que ainda existas em mim
não morro

assim
por não ser tanta a fome,
por não ser tanta a sede,
por não ser tanta a dor
e nada disto, provavelmente,
aconteceu
em qualquer outro espaço de tempo ( em qualquer eu )

20071124

Procuro-me. No escuro. Na luz. Sou um absurdo, tenho medo de ter medo: incapaz. Tenho medo que alguém crie um espaço onde eu possa existir para além de nós, o mais sincero medo possível de existir para além de mim é o meu maior medo. Um grande medo desse medo urge aos saltos maquiavélicos, rodopia nos olhos da minha alma e sou o nada da solidão.

Procuro-me e é inquestionável a falta de presença que se apoderou de mim, cabeça em baixo porque a luz me cega e a minha sombra é escura como a solidão de uma pedra. É incrível como deixamos de fazer sentido quando o que existia de nosso em alguém evapora como uma lágrima do deserto. E aí sou sozinho, sozinho a mando de ninguém, todo meu e o que me rodeia é apenas pó com feitios e silhuetas que gesticulam coisas que não entendo, que falam outras línguas que não a minha. Falam-me do grande domínio e do meu controlo inexistente, de não me perceberam, de me acharem fora do sítio e estranho, de não me compreenderem e eu é que não os consigo compreender. A minha cabeça é a mesma que nasceu comigo. Nunca ninguém me quis compreender verdadeiramente porque nunca foi preciso. No fundo, não sou complicado, sou diferente. Como toda a gente. Todo o mundo é diferente e esse é o ponto mais triste da nossa existência: somos todos estupidamente o mesmo. Previsíveis, estúpidos, problemáticos, incoerentes, mentirosos, hipócritas, egoístas, verdadeiros, sinceros: uma merda, sinceramente.

Procuro-me e o mapa são linhas do fim. Retornos eternamente adiados pela culpa urgente que principia a existir, que não existe ainda, que pode vir a existir e só isso, só por si, me cola ao bordo do presente e me dá uma consciência atípica que não quero colada a mim. A consciência de que onde estou é longe daqui, muito longe do que sinto em mim e procurar-me é perder-me ainda mais, procurar-me é encontrar-te pelo caminho onde também te perdi e perder-me ainda mais, procurar-me é suster o mundo nos meus braços débeis e deixa-lo cair no universo e perder-me, palavra de honra, ainda mais.

Deixamos de existir quando desaparece o único naco de nós que ainda fazia sentido em alguém e eu, tal como tudo o que escrevo, deixei de fazer sentido quando o pedacinho de mim que cresceu em ti morreu e eu o perdi também.

20071115

inferno a frio

sozinho, chorei como uma criança de vidro, de medo. chorei como as plantas de uma manhã de orvalho,
a conta-gotas, enquanto o meu peito diminuía e se esvaziava da dor, do prazer. Chorei, a frio,
por ser só desta forma que a dor e o prazer de sentir a dor e o prazer se aviva e se dispersa em
mim, num frio de calor de inferno, onde as únicas palavras se escrevem no espaço da morte de todas as
palavras. sozinho, imortalizei todo o medo que há em mim e chorei, chorei como se o mundo dependesse
de cada lágrima que cedia, como se cada palavra de cada boca, de cada frase de cada ser, dependesse
de todo o meu sofrimento. nem claro, nem o escuro, nem o amor, chorei lágrimas e debrucei-me
no seguro de uma casa em chamas, um imenso lago de inferno em mim fulmina o soro das minhas veias e nesse momento, chorei.
chorei, e que horas serão neste século tão seco?
estarei cá para sempre, a chorar as águas de um rio que passa sempre, sem lágrimas
de criança, porque sempre é o mais ínfimo segundo do choro de uma criança.
choro, para sempre, na companhia de toda a solidão que me comove, nesta solidão
que é ver o meu corpo crescer na vontade viva de um menino quando tudo à minha volta
morre e eu, inconsciente, sigo pelo mesmo caminho.

20071023

acto de fazer nascer

contemplamos a luz
como cegos
ou recém-nascidos
e mesmo assim
inocentes
fodemos

não passamos de animais
nada que seja de ver
lentamente
nos espaços que nascem nas sombras
somos feios
e desajeitados

entre o meu corpo
e o resto do mundo
há uma pele queimada
pelo desuso

porque somos a essencia
natural
de uma natureza narcisista
que ganhou de si propria um pensamento falso
que nos faz sonhar menos
pensar mais
agir contra a lei natural das coisas
que não existe para existir

as nossas escamas
são flocos de sangue
em campos de batalha
imobilizadas pelas espadas
viscerais da saudade
e da vida

contemplamos planos
como se a nossa infância.
o nosso amor,
os nossos sentimentos
doessem

e a mim
só a cabeça me dói
não de pensar
nem de sentir saudade
só de sentir
uma dor de cabeça que me dói

inocentes
como animais
recordamo-nos assim
do prazer
das mãos que criaram tornados
dos gritos e dos gemidos
da dor que se perdeu
no momento
em que nos olhamos
e nos nossos olhos de poço
nos afogamos
nascendo.

20071018

olá às coisas do fim do mundo

há boas noticias do fim do mundo. consta que terminamos a guerra em vitória. cheios de sangue nos
cotovelos e olhos sem olhos, só o buraco e nada mais, tudo à mostra, a ver-se a carne de dentro
que não se devia ver, ossos de fora da carne, enfim: nós do avesso.
ouvi dizer que lutaram crianças, nasceram crianças de mulheres que outrora crianças e morreram
crianças como pessoas: olhos de fora, tripas ao relento do lado errado, braços em asas a voar pelo
mundo, pernas presas a minas ( não de ouro ) que desapareciam num assobio grave, pelo ar, como membros
alienados à força de um parto: a urgência de nascer fora do corpo, abrir vida e viver, mas tudo morte a pairar,
a planar como o anoitecer de uma cidade sobre os prédios altos, sobre as árvores, sobre as casas, sobre as pessoas,
sobre o inferno.
mas, comunico, há boas noticias aqui do fim do mundo no que toca a carnificinas: temos carne para muita comida e
comida para muito tempo.
do outro lado, se por qualquer razão há um pequeníssimo cheiro a vida, aqui, só dos cadáveres mais vaidosos.
a lama onde caminho é espessa e vermelha, é como caminhar pela areia molhada de sangue, viver aqui bem que podia ser
descrito como viver numa veia, num coração pulsante. em mim, só a vontade de partir porque acabou e falta-me um
luar a cair do céu nas noites onde as nuvens adormeceram e onde o único barulho que interrompe o silencio perpetuo da
madrugada é um gato negro a derrubar um caixote do lixo, não bombas, nem fantasmas, somente o cheiro das flores noctívagas
que se passeia pela rua onde vivo e um gato, ou um cão, ou uma pessoa que chega a casa do trabalho cansada e com vontade
de se deixar cair e morrer até amanhecer, finalmente, no mundo das coisas da noite.
no mundo das coisas da noite, aqui no fim do mundo só me lembro de ser noite e todas as manhãs que me vêm à memória
diluem-se no profundo escuro das noites que invento, das noites que isto me parece.
mas é tudo morte, ganhámos e a pergunta, deus do céu:
- caralho, vale a pena? valeu a pena?
claro que não valeu, nada assim...não só o meu, o sangue daquela gente também me magoa quando me passa pelo coração,
o sangue daquela gente não é o meu porque o meu sangue já não existe, ou é a água que me lava a cara o sangue daquela gente. porque o meu sangue
já não é meu, mas das almas que o levaram, para longe de mim, para longe do fim do mundo, para longe do meu inferno: para
o paraiso.

20071015

15 de Outubro, 2007, 2 e meia da manhã, segunda-feira a dormir.

E suponho que é aqui que, amigavelmente, encontro a boa vontade à minha espera, deitada solenemente no parapeito do sono esperando que eu a leve pela mão a passear pelas coisas que não entendo. Ora, estou indignado. E o sono não vem. Só lá vive a vontade de dormir.

Não tenho outra vontade nenhuma, motivação, prazer… Ando aqui a assentar tijolo numa casa já feita, a ouvir o barulho das obras que se fazem em mim como sons malucos de um experimentalista nas percussões, quando o que quero é sempre sossego e quando o tenho, sempre barulho.

É que já ninguém está acordado. Só a minha mão e este papel que faz barulho à canetada: dou-lhe canetadas frias e cruéis ao sabor da noite (e um monte de onomatopeias que não existem a surgirem-me do fundo). E tem sido assim, todos os dias, o Amnesiac em repeat pela noite fora até que adormeço, um papel que vou usando para escrever tudo e, de certa forma, esvaziar-me para que caiba em mim o sono ou então, para ouvir-te falar. Como era bom ouvir-te falar. A tua voz doce agarrada ao meu braço e a sorrir-me com os olhos a brilhar e eu queria lá saber o que estavas tu a dizer porque para mim bastava que o dissesses, com os olhos, agarrada ao meu braço e a saltar de alegria como uma criança feliz sempre feliz.

É incrível, que vontade que tenho de morrer para ver como é que é estar morto. Ou para dormir, simplesmente. Para viver sem sono e com os olhos abertos. Tão fácil culpar outra pessoa dos males que temos. Tão fácil inventar situações que existem mesmo mas que hiperbolizamos para que tenham pena de nós. Às vezes sinto isso, sinto que os meus problemas são ninharias mas quando falo com alguém parecem cataclismos à escala mundial mas, não me compreendam mal, é só relativo ao meu tamanho e eu sou enorme. Sou mesmo grande e a superfície de contacto torna-se muito maior pelo que a dor dói-me mais a mim que às pessoas mais pequeninas. Mas nem quero que tenham pena de mim, só quero que me oiçam e que me digam depois :
-E vai tudo ficar bem
Eu queria era dormir. Ou matar-me, mas com o sono que estou, sinceramente, nem um suicídio me saía bem e ainda sujava o quarto. Mais um problema para limpar depois. Vou estar mas é quietinho a olhar pró tecto que se vai enterrando no 2ª andar, no 3º, no céu, em mim, a tua cara, …

20071010

do Livro de Poemas De Amor

repetidamente batendo
uma fome que são estrela a cair na noite
não há noite quando te vejo
e não faz sentido pássaros a esta hora
voar sobre a minha cabeça
e são estrelas a alimentar
que prendo em amarras
que solto quando a minha boca
toca os lábios que deixaste desenhados
neste lugar
quando inundaste o mundo
e fugiste
e o mundo era todo lágrimas
que me queimavam o espelho
e eu só queria
ter corpo ainda
que se sacrificasse
para eu o sacrificar
e distrair a dor
que me faz andar
fugir como tu
para onde tu estás
e eu só queria
fugir como tu
para onde tu estás
do nada cair na palma da tua mão
sentir o teu perfume morrer atrás de ti
quando passas e eu cego
do nada ver-te andar
ao longe
talvez sorrir
ou
acenar
e morrer.

20071006

inércia,
a mancha arrasta-se
ao longo
na minha cara

são raras
as caras
que falam
e pouca gente
escreve que se oiça

nós
a nossa pequena existência
e um mar à nossa frente
à nossa volta
dentro de nós

a minha dor nas pernas
o teu sono a
empurrar-te a cabeça

é real, meu, inteiro:
é tão,
tão difícil abrir os olhos...

tão mais fácil imaginar que te respiro.

20070923

Onde estás?

Agora a sério... preciso de ti. Nem que seja longe. Foda-se. Dói a dor dos clichés todos juntos.

Coração, coração... preferia vê-lo partido a não vê-lo porque o perdeste. O meu, claro.

Volta. Por mais que toda a gente tenha inventado todas as dores que se podem sentir e que não são dores nenhumas... o que tu deixaste no teu lugar não vale metade do que eu sinto por ti.

Preciso que voltes... porque me devia doer e não dói. Porque eu devia sentir e não sinto. Porque eu não me esqueço de ti e devia. Porque só precisava de um olá para me sentir um pouco mais que merda.

Onde estás? Estás a ler isto? Qualquer coisa? Um olá? Prometo que não digo nada... Um sorriso... vá, não precisa de ser um inteiro... Volta...


PS: Eu estou a falar a sério.

Pós PS, horas.

Escondo-me de baixo de ti como se tu fosses uma nuvem do mundo. Queria-te por perto, tão perto que a minha pele sentisse o ar que dispensas de ti, o ar que não te importa, o ar que me podias atirar à pele sempre que tivesses vontade e eu ía, sem pensar uma vez, respira-lo por ser teu. Porque é a ti que eu quero e não me posso enganar. E tu para mim és todos os minutos que perdi, que não esperaram por mim. És a palavra nostalgia personoficada: uma mulher enorme que me calca com o seu corpo, que não me vê porque sou um grão.
Devias voltar comigo para o mesmo lugar onde nos conhecemos. Que nunca significou nada para ti, mas como eu digo, a cidade toda és tu e a minha cidade é a mais bonita do mundo. Porque a minha cidade és tu.
( a sorte é que ninguém lê estas lamechisses... é o que eu faço aqui. como se não tivesse nada para escrever. porque tenho. )
Sabes... o meu peito aperta tanto e não sabe chorar . Deviamos chorar por onde nos dói mais , depois ao longe pessoas a dizer :
- Lá vai mais um a sofrer das costas.
E um rasto de àgua, a fazer as vezes de uma cauda enorme num vestido de noiva, a deixar-se ficar. Mas dos olhos sempre optimo, claros, limpos, sem lágrimas que lhe fechassem o caminho.
Devia ser assim e tu devias estar aqui.
Já não sei onde foi parar a meteorologia. Está calor e eu não o sinto. Talvez porque me tenha habituado ao gelo que fizeste de mim. Talvez porque lá fora a cidade és tu e chove quando penso em ti. Talvez... mas talvez é incerto. Só tenho de certo que as luzes da noite não se apagaram e já é dia. Ficam lá sempre para que eu não me esqueça da contra-luz que projectava a tua cara no mundo. Ficam lá sempre para me lembrar que toda tu és uma tatuagem ao longo da cidade.
Que tu és a própria cidade. A mais bonita do universo. Com os jardins mais bonitos e as flores mais perfeitas, com o melhor cheiro e com as melhores pessoas. E eu só mais uma pessoa. Tu:
todas as horas que eu perdi, sentado à espera de ti, sem nunca te ter dito que esperava por ti, na ânsia de um dia dares conta de mim no teu caminho de casa, na ânsia de que olhasses para mim e me levasses contigo. Na esperança que fizesses de mim mais que um passageiro .

Gosto tanto de ti...
Gosto mais de ti que o nome que as pessos inventaram para quando se gosta tudo de alguém.


20070920

não há chamas-
corpo ligeiro branco
de inventar cores no mundo
e fogo nos olhos da carne

sou um sopro surdo
a moer o teu cabelo
devagar
a moer o teu cabelo
levo-o e trago-o
para junto e para mim

não há fogo-
caixa de pele
a preto e branco
sobe o céu,
a cega carne

é impossível chorar
a preto e branco

voa comigo,
se a carne é cega de sentir
não há fogo
não há chamas

não há filmes
nem sentidos
nem cores
nem corpos

eu um sopro surdo
que não ouve e cego
que não vê
e escuro que não luz
e tu
que não me vês
deambulas as palavras que não dizes
e o mundo a preto e branco
brando de ser mulher
o teu poder é maior que o mundo
e só me faltam os olhos na carne
que me toques
que me vejas
para eu assim o poder ver.


- havia de haver algum céu em nuvem
que chorasse por mim
quando a noite não chegasse
e o coração fosse uma pedra imensa
cessante e mortifera.

20070904

19.17, dia 4 de Setembro 2007

Estou, vai para algumas semanas, a magicar uma espécie de conto para um concurso nojento, como são os concursos nojentos para literaturas jovens. Fermenta, fermenta. Eu não quero ganhar nada além dos 300 euros de prémio. Ontem a Sara dizia :
- Concurso nojento, no entanto queres os 300 euros.
Não gosto nada de explicações. A escrever não se corre .
- Deixa-te de coisas.
Eu deixo. Mas é verdade, a escrever não se corre. O que eu escrevo é feio e todo meu, é um amputado que vai ganhando braços e pernas e corpo e cabeça. Ás palavras não se fala, são elas que nos têm que escolher e nos têm que falar. A ideia está lá. A escrever não se corre para ganhar nada ( a não ser que sejam 300 euros). Não consigo que a ideia se acabe. Sinto que está uma porcaria. Não lhe sinto o fim próximo, mas a 30 de setembro, esteja ele como estiver, estará pronto.

20070901

Mãe, voltei da guerra!

A sério, voltei. Não é minha intenção tornar este blog numa especie de diário mas está a acontecer.
Um filho da put*. Mas não me arrependo porque para conclusões
não basta que a chuva molhe, mas que a chuva seque .

- - -

20070828

interrompo-me

estava a ler umas cartas , agora mesmo. dei conta que disse a alguém :
- é complicado arranjar forças para um amo-te no meio da morte.
isto a proposito de umas cartas que um sujeito ia escrevendo á sua mulher durante o ultramar
e pergunto-me agora :
- e amo-te no meio de tanta vida?
a sério. não compreendo. não estou louco, talvez em baixo, triste. a solidão torna-nos tenrinhos como um quinhão de carne fresca e eu não estou sozinho. pelo contrário, sei bem que o que faço está rodeado de gente pronta a julgar, a comer e a vomitar.

Sinceramente, com tanta má vida á minha volta custa-me imaginar que consigas entrar aqui e ouvir o que tenho para te dizer. Quero estar sozinho, contigo.

20070726

de ouvir os olhos na carne. II

Havia manhãs em que me levantava à hora do costume mas, por outra força qualquer preparava-me mais cedo. Lembro-me
do caminho, a minha mãe deixava-me por lá e o cheiro das árvores a encher-me todo. Depois entrava no carro outra vez,
íamos ao café tomar o pequeno almoço: torrada e meia de leite ( 1/3, nunca gostei muito de leite) ; e escola. Deus, só
eu sei o quanto aquela escola não gostava de mim. Os professores eram simpáticos, a sério, de uma simpatia do tamanho todo
de uma manada de touros em contramão, e eu gostava deles tanto quanto um gato de àgua. Nesse ano e ao fim de 3 turmas
mudaram-me para outra escola. Justificava-se, eu não gostava das pessoas, eram uma tremenda seca: odiava cada uma e só de pensar nos nomes
da chamada, perdia a vontade de ir às aulas. E não ia. Não interessa a ninguém, mas voltando...
Esta manhã fez me lembrar de outras que eram idênticas, antigamente. Está frio e o tempo feio. Estou com febre, calor,
estou vermelho e despido, estou a pingar suor. Olha,eu sozinho sou o Verão! Mas lá fora está um frio do caraças.
Gostava de ter outra força qualquer, hoje, que me levantasse. Talvez a de um sol em facas pelo meu corpo dentro,
ou a de um odio que me movesse a não mover, mas nada. Apático. É Verão: ausente, sou eu o Verão e não tenho paciência.
Preciso de uma voz qualquer que me mande recados e cartas registadas para casa a avisar os meus pais das faltas. Tanto
que deixei em falta ao longo destes aninhos por pura estupidez. Preciso que alguém me avise com voz rija:
- Se não vives, reprovas! Olha o que eu te digo meu menino.
Porque se eu não vivo, caramba, reprovam-me.
Preciso da mão que me guiava quando eu ainda não sabia os caminhos de cor. Cada vez mais sozinho. Cresço e não dou conta
porque continuo a ser um menino. Quer dizer, dou conta porque agora ando sozinho, sei dos caminhos e de como caminhar mas
não tenho vontade. Preciso ... sei lá. Vendo bem, o que eu gostava mesmo era de te ouvir os olhos na minha carne.
Crescer na tua cama e morrer por lá.
E praia a ser Verão, encostar-me na tarde com o sol a fazer-me a cama a outra força qualquer que nasce à noite e o mar a dizer por mim, baixinho:
sinto-te arder comigo, gosto tudo, teu, eu, tu, que se foda o mundo...

20070630

Hoje é Sábado... Só para que te lembres. I

Claro que é dia. Aposto que se der comigo, sem dar comigo, a caminhar pela rua onde te vi pela primeira vez, te oiço
embutida num sorriso a pasmar para mim e a dizer até já. E foi até já, depois do já: sumiste-te na tua vida e eu na minha.
Há processos lentos que se demoram ainda mais quando o ser sou eu. Lembro-me de ti num vestido. As casas. A noite a saltar
de bar em bar, eu a saltar com a noite, tu à espera de mim, as vitrinas a corrigirem a minha falta de postura, um cão a rir-se
de mim com os dentes todos, um coração a fugir-se em gotas pelo meu umbigo, um calor imenso que passava por mim na forma
de um frio imenso que passava por mim na forma de um nada imenso. Dormente. Completamente dormente.
Hoje lembro-me de todas as primeiras vezes que te vi, e de todas as outras vezes que eram sempre a primeira. Os teus vestidos,
o teu sorriso, os teus óculos de sol enormes, as tuas mãos, as tuas pernas, os teus bracinhos em nós no meu. Um abraço a
enternecer-me dos pés à cabeça e a moldar-me o corpo.
Aposto que , ainda hoje, se passar por ali , naquele cruzamento, o meu corpo contorce-se todo, aninha-se nos teus braços
e deixa-se desfazer levezinho.
Custa-me a crer que se percam momentos. De tempos em tempos sou feliz por me lembrar, não sei se continuas a existir
na mulher que foste comigo ou se és outra, se mudaste. Mudaste, claro. As pessoas mudam-se todas, cansam-se, deslocam
o espírito para o monte do Tobias, levantam-se, espírito, o que és tu, correm-se, mudam e pronto. Ela não gosta mais de
mim que eu de ti. Não me venhas com merdas que me partes todo por dentro e por fora que nem o raio-X tem sindicato para tanto
trabalho.
Hoje lembro-me. Hoje é Sábado, gosto de ti. Claro que é dia. Eu vejo o céu no lugar azul onde o céu costuma estar e não estou triste, nem contente: acho que hoje, sem mentir,palavra, estou feliz.

20070613

Há de haver vida que me explique o que é a alma.

Batem, correm á minha frente.
A minha visão cada vez mais turva reclama um lugar longe que não consigo ver. A rua continua parada
no sol, tão derretida como eu aqui sentado a pensar no tempo de quando eu ainda era jovem e trabalhava
naquela empresa de conservas onde estava tudo bem quando tudo estava calado e o trabalho era simples
e sempre o mesmo : maquina, liga, desliga, plástico, caixas de papelão, carregar.
Agora batem, correm á minha frente e eu não os vejo, cego, quase cego.
Agora não trabalho, os meus dias são sempre os mesmos, são sempre segundas-feiras, ou terças,
já não me lembro em que dia parei de ter dias, mas não são segundas feiras, devem ser terças, porque ás segundas feiras era dia de jantar em casa da minha mãe e a minha mãe, coitada, já morreu como tudo o resto, por isso deve ser terça feira, hoje. Ás vezes tenho que ir ao médico mas fora isso,
passo os meus dias sentado aqui na tasca do Alemão a ver as nuvens, algumas vezes o sol, outras vezes
chove, mas o sol é sempre o mesmo, as nuvens têm sempre as mesmas formas e a chuva cai sempre
no mesmo sitio, tão previsível que até quase cego fujo dela sem que ela me apanhe.
Os meus braços servem agora para mexer a colher do café e segurar uma bengala que me dá
um ar de maestro importante ou de figura da classe alta do século XVIII mas lá me saem os pulmões
nesta tosse de tabaco de anos e anos e lá se vai a compostura com os bois. Diga-se que deixei
de fumar em 73 quando a minha avó morreu, dizia sempre :
- Zé! ainda desgraças a tua vida com isso.
E a verdade é que deixei de fumar mesmo naquele ano. Voltei no ano seguinte e até hoje a única
coisa que o tabaco me desgraçou foram estes dois dedos amarelos.
A minha avó...Lembro-me do dia em que ela morreu. Tinha os pés atados ao sono de uma criança, eu sugado pelo
fogo da noite a contar estrelas em pleno dia. Não havia ninguém em casa, não havia nada em
casa, embalava no silêncio uma vontade, um querer tudo bem. Não havia ninguém.
- Sabes, é tudo uma treta. hoje acordas, amanhã nunca mais te levantas, depois de amanhã os teus dentes
apodrecem e acabam por cair, tu ficas sem sorriso e ficas sem vontade de viver e tornas-te sozinho
num monstro, em ti, numa pessoa que desconhecias mas que sempre foste : um monstro.
Transpirava razão por todos os lados. Lembro-me do dia em que ela morreu como se fosse o dia
em que eu nasci, lembro-me dela como se fosse eu que estivesse ali, uma criança.
Agora até eu pareço a fotografia que tenho dela, com ela e comigo. Estou igual,
nem me olho ao espelho, aquela fotografia diz tudo. Sou eu, ali. Igualzinho. Não mudei
nada. O cabelo caiu, estou cheio de rugas, aquele fato de casamento já não me serve,
já não tenho casamento, já não trabalho, os dias são todos iguais por isso continuo o mesmo,
igualzinho àquele homem da foto que sou eu.
Engraçado, batem correm a minha frente e eu continuo sem os ver. A cerveja a fazer pose
na mesa, o Alemão a mal dizer a política, a mulher do alemão a arrastar um cancro nos intestinos
que vai ser diagnosticado muito tarde, o Alemão a correr á sua maneira para fechar a conta e sacudir a mesa
porque há clientes novos, o vento a sacudir o Alemão ( fraco, quase osso ) e o meu pouco cabelo,
a minha mão a passear pela mesa com dois dedinhos um á frente outro atrás, depois mudam e imaginam-me
quando não eram eles a andar, a minha
cabeça a escrever isto, o meu coração que teima em bater sempre igual...
Se ao menos estivesses comigo, se ao menos falasses e destruísses estas coisas todas iguais,
sempre iguais, que se repetem como o meu trabalho de antigamente. Se ao menos eu pudesse
dizer que me fazes falta e que eu te oiço, agora eu oiço, prometo!
Raios! Há de haver uma vida qualquer, de alguém, nem peço uma minha, de alguém, que me
explique o que é a alma. Olha para mim, uma data de anos, velho caquéctico quase morto,
a viver sempre igual sem vontade e sem querer e ninguém me diz o que é a alma. Para mim
a alma é um sitio estúpido que as pessoas que não têm dores inventam para que lhes doa alguma coisa. E escondem-me o que é a alma! Eles escondem-me o que é a alma para eu não perceber o que é a alma! como uma criança, tratam-me como uam criança, respeito! Digam-me que não existe, digam... eu não choro, diga, vá lá...
Eu não tenho alma! Sei lá o que é a alma, os meus joelhos doem pra caraças: são a minha alma?
Acho que é isso, afinal a minha alma são os meus joelhos e agora batem correm a minha frente
e eu não os vejo, preso a esta cadeira de rodas, já nem joelhos tenho, maldita diabetes que mos levou.
E a minha alma, a minha alma são os meus joelhos! A minha alma eram as minhas pernas, as minhas almas, tiraram-mas hoje
e agora que cego, vejo melhor que nunca, é melhor voltar para casa, deixar o Alemão a chorar pela mulher,
deixar-me a mim a chorar em casa, apodrecer, daparecer, ser, er,r,.

20070610

' See you next year '

Why go home?
Há coisas que te ficam na cabeça até que a percas, foi assim o ano passado, foi assim na sexta feira passada, vai ser assim de cada vez que os guardar com os meus olhos. E não me venham com merdas, ao meu lado estava um casal com os seus trinta e tais anos, ouvem Pearl Jam desde o Ten e estavam ali, ao meu lado, a vibrar quase tanto como eu :D e já passaram.. quê? 16 anos? Ainda eu não sabia dizer ' estou vivo '.

Pearl Jam, deixando de lado todo o adorar que desenvolvi, é das maiores bandas de sempre e, neste momento, a melhor banda do mundo ao vivo.

Em muitas palavras : memoravel

20070528

3

E tu sabes bem o quão idiota és, mãe. Que ideia: filho, eu. Eu não fui teu filho, nunca!
Eu não sou ninguém, eu não sofro porque eu não sinto, não choro porque não tenho olhos; estes
olhos não são os meus, nada aqui é meu, sou uma farça, sou um azar e tu a desejar ter um filho, toda morta aí estendida
no chão como fazem os tapetes secos dos museus .
O tempo não passava, porque o tempo passeia-se pelo que sofre, andava para trás e para a frente
na minha cabeça como um serrote ferrugento e silêncioso que me ia cortando pedaços de juventude,
de infancia, de um homem que não sou, de uma mulher, de mim ou de ti, tantas vezes sobrepostos um no outro.

- Mãe!

Foi então que te levantaste, abriste muito os olhos e sorriste para mim. Encontraste-me o olhar, o mesmo
que tinha deixado fugir pela sala, pela janela, pelo céu escuro da tarde que adormecera há alguns séculos.
Foi então que me vi, mais eu mais puro, mais seguro - mais confuso, nos teus olhos.
Foi assim que me cingi ao meu corpo de 5 anos e deixei de pensar que me tinhas abandonado,
engoli todas as palavras que não eram palavras da minha idade e fingi não perceber o mundo como fingem
as crianças da minha idade para sentir que podem contar com os braços de toda a gente quando todo o mundo
já tiver acabado.
E assim acabou o mundo. Não sei ao certo o que se passou depois do fim, não sei se perdi de novo aquele corpo
e mergulhei noutra pele, noutro fim. Não sei o que foi feito de ti mãe, só me lembro do teu sorriso e dos
teus olhos muito abertos a serem eu : como o céu no verão, sem pássaros, nem àrvores, nem nuvens a atrapalhar ; nunca fiz muito
sentido, nunca me quis ver ao teu lado com o corpo de outra gente, nunca pensei em nunca pensar.
Mas não pensei. Não quis pensar. Mãe, eu sou tu : a minha mãe, a querer uma mãe, no meu corpo, que é o teu corpo.

Mãe, morri contigo sem morrer porque eu sou tu, porque mãe, tu és eu, mesmo sem quer.

20070526

2

Eu parado, feito da matéria com que se fazem as pessoas : género de carne, sol e água, osso para dar carne ao
corpo e uma espécie de aura que me afaga, que me sustem o pensar e que me dá o mesmo, a toda a hora.
Eu, a preparar discursos que não vou dizer a ninguém, a soltar frases para o branco sempre igual do tecto,
a estender um braço à musica que vai saindo e que vai batendo e perfurando as paredes do prédio. Os papéis
todos, todos os mesmos.
Aqui não há muito porque gritar, as equações são simples, aliás, são impossíveis e quando as coisas se tornam impossíveis
é simples saber-lhes o fim, aqui é o fim, aqui onde as coisas são feitas da mesma matéria que eu : são pessoas,
dizem-se pessoas e eu de pessoa não tenho nada; não quero ser como eles : género de carne, sol e àgua, osso para dar carne ao
corpo e uma espécie de aura que me afaga, que me sustem o pensar e que me dá o mesmo, a toda a hora.
Eu, parado. Não quero morrer queimado, nem quero morrer sequer. Não quero cair no momento em que me vou a
levantar para andar e correr. Não quero viver eternamente, mas não quero morrer. Morrer só acontece
aos tolos que se deixam morrer, idiotas! Eu não me vou deixar morrer assim, facilmente, como as pessoas
que se cansam, que se aninham numa cama, que se alugam a uma doença que não lhes paga nada e que morrem à
fome de vida porque a doença se cansou, fechou as portas e saiu sem pagar a renda, a rir-se da cara do senhorio
que já nem cara tem, que é agora comido sabe-se lá... pelo quê.
Continuo a entoar cânticos com palavras que não me pertencem, a falar para as paredes. Continuo aqui, mãe,
quietinho à espera que acordes; nunca te deixaste morrer, sempre foste assim, forte e fria e nem mesmo assim
te escapou a tentação de lhe dar o peito .
Cada vez mais inúteis.
O meu corpo não é meu, já te tinha dito. Funciono como uma peça, uma pilha num engenho estupidamente sólido
que se vai montando ao longo dos anos e que me vai fazendo, a cada milesimo de segundo que se move, pensar que
não sou quem sou, quem aparento. Sou um conjunto de memórias de outro eu que fui perdendo no meio dos meus outros eus,
das outras pessoas que fui e que já não sou. Sou um conjunto dessas pessoas todas que usei sem pensar que as usava,
sem sentir que as possuia e que as deixava longe de si. Tudo por tua causa, mãe, e agora estamos aqui os dois: cada vez mais
inuteis. Tu apodreces, eu não sei viver aqui, preso a este nojo de pele e osso que sou por fora, que não sou por dentro.
Como tu, já não tenho força para me levantar mas não vou morrer. Não sou idiota.

20070520

1

A minha mãe a gritar bem alto : deita fora isso. A minha mãe a gritar bem fundo : isso não é bonito, deita fora
isso. A minha mãe no chão a gemer : chama uma ambulância. O fumo quente a transpirar a arma : o vento acalma, a
tarde deita-se e adormece, o meu corpo espera sentado ao lado da minha mãe, uma mulher sempre fria e sempre
assim. Sempre ela, sempre à espera de algo que eu não sou, sempre à espera de um eu que nunca encontrei :
- Ajuda-me!
Uma mãe, sempre à espera de um filho, de um filho de um corpo que possuí, de um corpo que não sou eu, de um
filho, não de mim :alguma coisa que não sou filho.
A minha mãe a soprar-me ao ouvido : porquê? , e o mundo a caminhar em passo de corrida sem esperar por mim,
ali sentado a repousar o meu pequeno corpo que continua a respirar e a fazer-me sentir
que continua respirar-me para fora, a expulsar-me de si, a ter nojo de mim, a dar-me dores
e fome e sede, a ser um corpo que não me quer arrastar, a querer uma mãe. A querer uma mãe.

20070511

Só gosto tanto de ti quando não vejo um tanto de luz.

é estranho ouvir-te a voz. rodear-me de 'tus' a toda a hora, pensar na tua ausência à noite de uma luz, à noite sem luz,
sem luz no dia, ouvir-te falar é estranho : não tens boca, e mesmo assim calo-me a olhar para ti.
és igual às pessoas que são iguais a ti, és igual a mim, quase nunca igual a mim. és maior que eu
quando queres e és mais pequena que eu ao mesmo tempo que o tempo se esconde na luz. é estranho ouvir-me falar de ti,
contar que não gosto de te ver presa a mim, és maior e mais escura que eu, corres mais ou arrastas-me para trás com o teu peso
que nem pesa mas faz-me pensar que não deixa passar tanta da luz que é o pouco que pesa neste meu corpo magro
e sem força.
seja o dia meio cinzento, as coisas meias feias, os pneus do camião que te passa por cima meio vazios , tu não morres.
pergunto-me, dos pés à cabeça dos dedos, o que fazes tu quando eu durmo? tu não dormes.
e és estupida, como eu sou estupido e como tu és estupida, podias ser a morte e eu podia estar a personificar-te
para te chamar nomes e para te odiar, mas não. não passas da minha sombra, às vezes chateia-me ganhares-me as corridas
outras vezes sinto-te a falta por seres a companhia que não me chateia no caminho de casa e outras vezes
questiono a tua utilidade
- eu também te amo.
e continua a ser estranho ouvir-te a voz.

20070505

adormecer morrendo

não quero cair de costas na rua reza
e pensar fora de tudo
porque dói tanto
saber que até o conjunto de todas as caras
me faz lembrar a tua cara
e saber que o conjunto de todas as caras
não é a tua cara.

abre-se um rasgo
e a carne,
vermelha e viva,
adormece o mundo inteiro

que não sei nada
porque me apetece chorar
e morrer
e vomitar e morrer
e vomitar o meu morrer

porque tu
me rebentas toda a vontade de viver
e não tens essa responsabilidade
é da minha culpa.

e eu quero chorar,
como nunca,
como sempre quis,
como nunca pude,
como nunca fiz por poder
nem por querer.

ardes em tanta vida aqui por dentro,
que já nem há mais espaço
nem há mais nada.
a luz varia entre o não existir
e entre o fugir,
correndo,
de existir aos meus olhos

e assim não consigo ver
o quão bonita te faz a luz
e a escuridão
e o quão bonita és
quando o silencio se alia
ao misto de luz e escuridão
em que acredito.


assim,
só quero descer as minhas mãos pelo teu rosto
e cheirar de novo o teu cabelo
descer o frio dos meus olhos nas tuas mãos
deixar cair o meu corpo,
silenciosamente,
no enforcamento do meu peito que explode
e adormecer morrendo

aqui,
à tua frente,
como se as minhas ultimas palavras fossem o teu rosto
e o jazigo onde me sepultaram
as tuas mãos
ainda quentes como a terra
e suaves como este vazio
que vai dançando à minha volta.

20070428

tatuei o meu corpo no teu nome
e o intimo da madrugada bracejava
levantava-se com o nevoeiro
e caía molhado
no chão.

chorei,
chorei com lagrimas
e fiz as minhas próprias lagrimas chorar
e,
(ficava bem aqui qualquer coisa )
sinceramente,
já nem me lembro porquê.

se é o tempo que queres
e se a alegria queimou
esses restos de vida que passaste a alguém
leva para fora de ti esse mundo a correr
que escorre sangue na raiva de não te poder tocar

e o que posso ser agora
é um suave sussuro imutável
que grita tão alto quanto as montanhas
[ quero morder-me ]
só para te dizer:
obrigado.

20070409

setembro, pareço perdido.

remoinhos,
dedos em vez de braços
pareço perdido.
mas não estou.

a sala riscada,
o silencio do candeeiro
balançando brilhante e tenso
iluminando ora aqui, ora o corpo

o livro de asas abertas
esvoaçava por ali
e o relogio cantava
o fim do verão

tenho o telemovel na mão
e o teu nome.
não sei bem que dia é hoje
ou que mês é este
sei que é setembro
porque março já morreu .

não te ligo
na ânsia
de causar comichão á tua memória.

(setembro,
se eu soubesse mais dos meses...)

oh! como me foge
a paz de uma sopa quente
e um copo de água à cabeceira
que me livre desta cegueira
que me deixa tão vulgar e dormente

como me foge,
neste fim tão longo e teimoso,
a saudade de nascer.

( setembro. deixa-me dar-te os parabéns )

o teu cabelo corre solto
como correm os riachos
liberta esse perfume que aspiro sofregamente
nesta sala de janelas abertas
onde o vento se socorre
do vazio e escuro
azul do tempo.

( setembro, como te odeio.
trocas-me as verdades
mastigas-me a dissociação de ideias
dissocias as associações )

eu só te queria dar os parabéns,
longe deste comodo incomodo
longe de me atrapalhar ao cortar os dedos
longe de me perder
porque parece que me perdi
e que perdi todo o sentido...

pareço perdido.
mas não estou.

20070406

resolve todas as notas
sem significado

na musica
esmaga a cena

de baixo do jardim
enterra
uma centena de corpos
e lembra-te uma centena de anos depois

leva todos os teus dedos
a passear pela minhas costas e
crava-me a memória

move
dentro da tua pele.
esse teu lado de dentro que não é lado nenhum

morre,
calmamente,
e deixa a tua pele cair junto da minha.

agora,
vamos arder e congelar juntos
que já nada importa. nada.

20070324

o que é cair?

cair de um céu salgado
num mar cinzento
apagar as velas de um sopro
soprar o vento para longe
sem pudor
e com os vizinhos a assistir a minha queda,
como na ilegalidade da eutanásia,
incrédulos
ao ver que o que eu faço
é tanto daquilo que eu não sei o que é.

cair
só para quebrar esta monotonia
que é acordar para ter os olhos abertos
levantar e andar
para que o mecânico do Homem que sou
não apodreça no quieto de quatro paredes
e assim se esqueça que existir faz bem à saúde.

e existir não é só ter o nariz apontado para o céu
cair é bom,
fazer amarelo o que é preto
e depois das cores
o exacto do corpo arranja sempre forma
de se por de pé
mesmo que o mais difícil seja
por um único instante
tocar com a cara na aspereza da terra
e senti-la rasgar o musculo
senti-la ensanguentar a face que oferecemos
senti-la quebrar o espaço e o tempo
e,
num rejubilar instantâneo,
deixa-la cair em nós também.

depois, cair mais ainda
porque não sabendo o que é cair
bem posso imagina-lo
como um mergulho
bem mais fundo que tudo o que imaginação vê
e bem mais real que tudo o que os meus olhos têm.

20070304

como faz verão por dentro
deixo o uivo no chão
preso
gemo
desprezo
o surdo
não te oiço

levanta-te
na cor cinzenta do poente do céu
diz-me adeus
que eu não te oiço...
eu não te oiço.

ventos
impulsos (pulsos) sexuais
animais.

o poeta...
o que é?
o poeta não nasceu...
não existe

batam palmas!

20070224

a casa segue

num monocromático
ao de leve pintado
com o calor de um novo dia.

ele que me arraste
tu!
tu que me arrastes
tu que me erraste

segue curto
segue coerente
segue ao de leve pintado
com o aquecedor morno
do único resto de vida que por aqui passou
e que levaste junto com a casa
com os traços e com o abraçar do vento.

domingo as árvores falam
elas que me arrastem
que me façam.

domingo é sol
e a a casa segue
num monocromático
na dureza rasgado
com o frio de mais uma noite

(sem ti)
dói.
prendo-me aqui.
dói muito.

20070218

Alguém afirma que é tarde. Pelas luzes e pelos corpos que se arrastam pela rua a par da
cegueira das altas horas.
A lua acesa como luz de presença e os meus bocados, espalhados, indicando a maior parte
do caminho que esqueci. A saudade a falar sobre um final feliz.
Final feliz, a ideia de final nunca é feliz.
Desaperta-me as mãos, desaperta-me o casaco, tira-me a pele , deixa que o final não seja feliz com os pés plantados à porta e com medo de entrar.
Ele foi tão mais feliz fora disto.
Disto tudo que eu não percebo.
Porque foste tu que me ensinaste a não temer o fim nunca falando dele.

Alguém volta a falar. Cheguei a casa e a garrafa com os teus lábios...
O teu cheiro no meu pescoço e o meu quarto...

Crio, nas paredes brancas do meu quarto, a mais bela imagem que posso imaginar:
-Respira. Ela é uma puta. Distante como todas as outras que me tocam. Chora como quem canta (canta bem). Ofuscada
pelo seu próprio brilho, pela sua sombra.. Respirando leve e delicadamente, ansiando pela falta de ar que a tire dali.
Ela é o mal tenebroso, a chuva em céu azul, o amor nos olhos de um cego, ao cair da noite. O som das flores. Um sopro
de água nos meus olhos, rugosa mente espelhado, num muro de quereres. A calçada, a única, que me pisa.
Ela podia ser o pôr-do-sol ou o sol nascente mas prefere pôr-me a mim atrás dele.
Vestida de si. Não lhe sei o cabelo nem os olhos mas a voz. A voz é única. E as mãos, adoro-lhe as mãos.
Amarga. Ela é tão amarga quanto doce e toda a confusão é o miar de um recém-nascido quando a ela comparada.
Vejo-a como um oceano onde posso gastar parte da minha vida a tentar descobrir-lhe o fim e depois deixar de ver.
Ela... Um sarcasmo vivo e , pobre de mim,
Sou menos que uma ironia. Maior que tu e que eu. Uma viagem à volta do mundo num simples toque.
Adolescente, ela é eternamente adolescente, linda como a adolescência. Trava guerras no seu próprio caminho
Para semear a destruição que vou colhendo e comendo.
Ela é o que me faz sentir, se não bem, sentir. A uva que mal me quer, deixando no sabor um vinho embebido em
limão do mais ácido.
(ela foi o que eu quis)
Cansado, livro-me das costas, do pesar frio dos anos, do passar das noites em branco, porque a cor se fez
das insónias que ela me deu, de todas as contas que fiz aos momentos que imaginei, da bondade e nobreza ,
Da sede e da fome que ela me trouxe, das cores e dos rios que pararam. Livro-me das amarguras e deixo-a na parede
do meu quarto, encostada a um magenta com cara de tortura, para que a ternura de eternidade se encarregue de a apagar.
Ela é a beleza que se dá ,sobretudo, naquela cor.
Deixei-a lá. Tem nome, claro. Como qualquer outra criação minha.
Como qualquer outra doença que me tenha violado.
Ia escrever-lhe o nome, claro que lhe ia escrever o nome.
Ia dize-lo também em voz alta. Ia trazer a todos a mesma imagem. Ia fugir.
Mas a tinta acabou. Melhor assim, já que o corpo está cansado e a alma... dessa nunca sei.

20070208

altivo
passo seguro
entendo bem o que disse

a noite já é mulher
sento-me no chão
procuro-me entre os papéis que vou lendo,
que fui escrevendo.
encontro-me. num estado tão puro.
a luz desaparece,
acho que tudo o que digo perde o interesse quando o falo bem alto com as mãos.
e juro que estou a tentar dizer o que não consigo, aqui.
tenho o estômago a querer sair por serem tantas as coisas que quero escrever,
tanto o que quero partilhar que não consigo começar por lado algum.
ao mesmo tempo, tenho tantas portas abertas na minha mente como fechadas aos meus olhos.
vejo tudo como se a visão me fosse desaparecer a qualquer momento e me deixasse cego e preso a tudo o que não disse.
levanto-me. fico parado no meio do meu quarto.
a caneta continua a pesar por cheia e eu cheio de vontade de a esvaziar.mas não consigo.

procuro, na ultima luz e já na madrugada, o caderno e agora escrevo :

todo o meu corpo é suor e cinza
todo o meu saber é ilusão
todo eu sou um emaranhar de sentidos
e vontades que se afogam
com a vontade de me alastrar
como um cancro ou uma doença benigna
pelo corpo de toda a gente

todo o coração que me foge
me torna mais forte
e fraco
e me perco a cada palavra
que digo enquanto,
vivo,
tento amadurecer
e chegar ao ponto onde nao mais parar

todo o meu sentimento
é jovem e sem vida
e toda a minha vida é pouca
para falar de vida

tudo o que me passa
me passa tão profundamente
que não sei
o que falar
para que não pareça tão fundo assim

toda a minha tristeza é obra do acaso
e por acaso
não me chamo acaso

tudo o que dito
com uma caneta nas mãos
é o sabor
da minha pele
de tudo o que me toca
de tudo o que me marca
de tudo o que quero falar
mas nesta noite
não consigo !
NÃO CONSIGO!

20070203

hoje faço. parabéns

tu que sentes
tu que me vês
hoje nasci
só para te ver também
aqui
na palma da minha mão
na minha face
na minha boca
no vento que me leva o cheiro
na àgua que me lava os olhos
nas costas que viro
à certeza que perdi,
algures,
entre o ser caos
o causar um caos
e um desaparecer no caos.

pobre tu,
que ouves o que eu digo
logo tu
que nunca o quiseste
vês-me agora .

tento perceber
a verdade de tudo
porque tudo tem uma verdade
até tu

também tu tens uma verdade
eu sou uma verdade
e os anjos não existem
se existem
não sabem voar
se voam
fazem-no como reflexo

hoje dei-me os parabéns
hoje nasci
outra vez
a lua viu
as nuvens viram-me
nascer
o dia deu-me os parabéns.

mas à noite
quando o cheiro a queimado se torna luz
quando a luz não dorme
quando o sono não come
quando a comida não aquece
quando o quente desaparece e me deixa na cara
um rosto ferido
pálido
esquecido

tu que me vês
tu que me sentes
tu por quem nasci
(todos os dias até hoje)
não estas lá.

20070130

Eu não esqueço,
Adormeço
Num contra-luz
O que passei nas tuas mãos.

Imagens
De um plano
Com as costas viradas para mim
E para a tempestade que me espera.

Tiro-me as mãos.

Tiro as minhas mãos
Do que disse.

Onde te dás
Eu queimo
Enrolo o cigarro
E sonho com o som do lamento
Com o choro…
Como choro…


É a primeira hora da Primavera. Falo como se tivesse vivido um sem número de Primaveras.
O primeiro sol chama e corro.
Sento-me calmamente. Tenho joelhos e cabeça e a cabeça nos joelhos.
Perguntas-me porquê.
Solenemente respondo que não posso responder porque se eu falar tudo desaparece, tudo se levanta, tudo se apaga.
Como pó... E toda esta ilusão de perfeição volta a dizer-se presente com voz grave e adoçada
pelo fumo azul que me passa e só se passa em mim.

Tiro as minhas mãos de tudo o que disse
Só quero
Que te magoes amanhã...
Numa luz
Que me adormece.

Primavera,
Água
E pássaros a mal dizer a vida
Vivendo e cantando.

O resto
É um corpo adormecido
e este calor que não sei de onde vem...
que me mantém acordado...

20070126

A persiana ficou meia aberta.
Deixei a caneta passear . sozinha, pelas linhas.
Deixei que me levasse para onde sempre me quis.
Deixei a vista , cansada e dormente, passear pelo céu vermelho.
Tirei um, dois, mil, quatro coelhos do meu bolso. Dançaram à minha frente
e explodiram em carne, plantando pedaços no meu jardim.
Amei. Amei tanto e amei tanta coisa que me esqueci de tudo o que amei.
Fui peça de roupa minha. Usei-me, emprestei-me, gastei-me ao máximo... Mas nunca,
nunca questionei o meu lugar .

- podemos todos cantar no nosso tom mais afinado,
podemos todos ser o coração no nosso humano mais próximo e ser o bem no nosso mal mais carnal.
podemos tudo se tudo poder com o nosso egoismo . E eu sou tão egoista.
Mas sou egoista porque só me importo com o que é meu e a escolha do que é meu, essa, sou eu quem a faz.

Abri a janela do meu 101º andar.
Respirei o meu próprio sono numa descida alucinante.

Se me perguntarem o que aconteceu depois, respondo alegremente :

Continuei vivo por mais alguns segundos, cantei, senti o toque dos lábios morder-me a alma,
sentei-me , nu , numa pedra e vivi por mais alguns segundos, mais alguns segundos e mais alguns segundos...
Fiz de conta que fui uma alergia e respirei-me.
Tossi os pulmões.
Vomitei as entranhas, as minhas entranhas vomitaram as suas entranhas, vomitei-me.

Vomitei-me porque acima de tudo eu sou parte de mim.
E nada mais fez sentido . Isso... bem, isso dá-me um rumo claro, que vou dilacerar, outra vez e outra vez e as outras vezes que forem precisas para aprender a sentir no sitio certo.

20070118

arcos de flecha
na calma
torturam-me as palavras
e o corpo .

dispenso
o calor
e o frio
ou outro qualquer desconforto.

tenho nos ouvidos
o barulho
que traz de novo
a vida.

e tenho na cabeça
a tristeza
que abre de novo
a ferida.

se me olhar
com os meus olhos
para me ver
em tempo de paz
dentro do teu corpo
amargo ou doce
o meu sabor vai ser sempre o mesmo.

o sopro do vento acalma
e o ar alimenta a fogueira
não é um sufoco
ou uma cegueira
nem o aliviar da morte a pairar

não é o caudal do rio
que se parte e transborda
nem os teus orgãos mudaram todos de lugar
não é a paz;
não é a guerra.
não apenas hoje
muito menos amanhã.

só eu sei que devaneio
me trava.
mas não o chamo
para não me fugir.

20070110

caminho eras o caminho eras o...

era um caminho
dos mesmos
que tu vês
quando te vês a caminhar para casa.

vi que o era
e tracei uma cruz
noutra direcção.
fechei a porta.

já não sei
por onde me tenho
por onde me vou pisando,
como se fosse
parte de uma calçada
e preso
calco-me só para sentir
a saudade da perda e do desencontro
quando tudo acabar por se tornar mentira.

o tanto que não queria ter visto
pela luz morreu
e não quero saber agora
do tanto que nao vi
porque... sabes...
abraço-me tão melhor assim.

acabo de falar,
[caminho] agora
poisando o corpo cansado numa estrela
apago-a
e descanço no meu peito.

20070104

não passo de uma pedra
deita-te ao meu lado
conta-me nuvens para adormecer
e céus para... ( para o que quiseres )
pega em mim
atira-me para longe
e procura-me
encontra-me
atira-me para longe outra vez
e perde-me
afoga-me num lago
e mata comigo uma lua
perde-me
como se eu fosse uma pedra

agora a sério,[cuidado]
eu não sou uma pedra.

20070101

Num azul das nuvens e preto do céu, intermitente.

Hoje conjuguei o verbo 'esvaiar' no tempo Sangue um monte de vezes.
Não, não era para incomodar ninguém nem me pediram para o saber fazer, só queria saber
qual era a sensação de estar frio.
E consegui. Pior : eu já a conhecia.
Vou pensar que está tudo bem e tudo normal. Como se me tivesse sido deixado um cobertor para o caso de me perder.
Como se, subitamente, nascesse o sol e me levasse, pela mão, ver o mundo.
Estou só a alucinar, deixa lá. Vai enchendo copinhos para eu beber depois.

Agora, fora de todos os contextos possiveis para o meu pensar :

Foram mortes, dias, traumas, certezas de incertezas e nada mais.
Foram ruas soltas, com o tempo aos saltos de um lado para o outro .
Foram árvores que se desprenderam das suas raizes sem razão.

E o que é a razão?
Não há razão.
Não há uma razão que me explique, agora, a forma cruel e triste desta minha ausência.

Olhas as horas com as mãos na cabeça
por este caminho onde já caminho faz muito tempo
olho ,também eu, todos os minutos, segundos e medos.

Foi desta.

Podes sim. Podes dizer que sou uma pedra mas sabes , pelo menos, qual é o maior medo de uma pedra?
Eu também não sei.
Mas digo-te :
O meu maior medo, enquanto pedra, é não ter na vida a água e o vento que me faça desaparecer, devagar.
E tu que sonhas... como se ainda sonhasses ser o meu sangue, escuta as derradeiras palavras que tenho para ti.
Pois já não és o meu sangue.
Não te esqueças do copo que tens entre mãos. Agora é veneno. É tempo perdido. É tudo o que me passou pela cabeça quando te vi.
É nada e tudo isso.

Não te conto o quanto a roupa que veste o meu corpo se quer rasgar. Não te conto
o quanto a verdade me quer sair dos dentes . Não te conto o quanto quero ,eu, explodir-me na tua boca,
arrancar-te o corpo e deixar-te a alma presa a uma dor parecida com a que tenho agora.

CHHHHH!

Por momentos o meu coração parou. O próprio tempo parou.
Por breves instantes as chamas voltaram e vim de encontro ao meu corpo com o fogo do teu corpo.
Tudo parou por um bocadinho mais.
Não conseguia ouvir nada a não ser tudo o que tinha dentro da cabeça. Conheces o sentimento?
Os meus olhos viam e pouco mais. As minhas pernas, já cansadas e comigo deitadas num chão de pedra
que fizeste só para mim, morriam e tremiam no frio da falta de sangue .
O som parou. A cabeça parou. E nada fui, nada tive, nada fiz naquele momento.
Enquanto os meus olhos viam ( e pouco mais faziam ), fui feliz.
Fui feliz , enquanto as pessoas falavam e eu não as ouvia.
E isto tudo, para dizer, que não quero que te esqueças.
Não quero que te esqueças dos meus olhos agora que te despejei o coração na roupa, na cara, no corpo.
E não quero que me procures, quando nas ruas com caminhos de números e casas de cruzes me derem um lar.
Gritei bem alto para ninguém ouvir e com as mãos no chão bebi-te o meu sangue,num azul das nuvens e preto do céu,
intermitente.
O resto do meu corpo caiu então.
Fui feliz. Para sempre.



. yan