20070224

a casa segue

num monocromático
ao de leve pintado
com o calor de um novo dia.

ele que me arraste
tu!
tu que me arrastes
tu que me erraste

segue curto
segue coerente
segue ao de leve pintado
com o aquecedor morno
do único resto de vida que por aqui passou
e que levaste junto com a casa
com os traços e com o abraçar do vento.

domingo as árvores falam
elas que me arrastem
que me façam.

domingo é sol
e a a casa segue
num monocromático
na dureza rasgado
com o frio de mais uma noite

(sem ti)
dói.
prendo-me aqui.
dói muito.

20070218

Alguém afirma que é tarde. Pelas luzes e pelos corpos que se arrastam pela rua a par da
cegueira das altas horas.
A lua acesa como luz de presença e os meus bocados, espalhados, indicando a maior parte
do caminho que esqueci. A saudade a falar sobre um final feliz.
Final feliz, a ideia de final nunca é feliz.
Desaperta-me as mãos, desaperta-me o casaco, tira-me a pele , deixa que o final não seja feliz com os pés plantados à porta e com medo de entrar.
Ele foi tão mais feliz fora disto.
Disto tudo que eu não percebo.
Porque foste tu que me ensinaste a não temer o fim nunca falando dele.

Alguém volta a falar. Cheguei a casa e a garrafa com os teus lábios...
O teu cheiro no meu pescoço e o meu quarto...

Crio, nas paredes brancas do meu quarto, a mais bela imagem que posso imaginar:
-Respira. Ela é uma puta. Distante como todas as outras que me tocam. Chora como quem canta (canta bem). Ofuscada
pelo seu próprio brilho, pela sua sombra.. Respirando leve e delicadamente, ansiando pela falta de ar que a tire dali.
Ela é o mal tenebroso, a chuva em céu azul, o amor nos olhos de um cego, ao cair da noite. O som das flores. Um sopro
de água nos meus olhos, rugosa mente espelhado, num muro de quereres. A calçada, a única, que me pisa.
Ela podia ser o pôr-do-sol ou o sol nascente mas prefere pôr-me a mim atrás dele.
Vestida de si. Não lhe sei o cabelo nem os olhos mas a voz. A voz é única. E as mãos, adoro-lhe as mãos.
Amarga. Ela é tão amarga quanto doce e toda a confusão é o miar de um recém-nascido quando a ela comparada.
Vejo-a como um oceano onde posso gastar parte da minha vida a tentar descobrir-lhe o fim e depois deixar de ver.
Ela... Um sarcasmo vivo e , pobre de mim,
Sou menos que uma ironia. Maior que tu e que eu. Uma viagem à volta do mundo num simples toque.
Adolescente, ela é eternamente adolescente, linda como a adolescência. Trava guerras no seu próprio caminho
Para semear a destruição que vou colhendo e comendo.
Ela é o que me faz sentir, se não bem, sentir. A uva que mal me quer, deixando no sabor um vinho embebido em
limão do mais ácido.
(ela foi o que eu quis)
Cansado, livro-me das costas, do pesar frio dos anos, do passar das noites em branco, porque a cor se fez
das insónias que ela me deu, de todas as contas que fiz aos momentos que imaginei, da bondade e nobreza ,
Da sede e da fome que ela me trouxe, das cores e dos rios que pararam. Livro-me das amarguras e deixo-a na parede
do meu quarto, encostada a um magenta com cara de tortura, para que a ternura de eternidade se encarregue de a apagar.
Ela é a beleza que se dá ,sobretudo, naquela cor.
Deixei-a lá. Tem nome, claro. Como qualquer outra criação minha.
Como qualquer outra doença que me tenha violado.
Ia escrever-lhe o nome, claro que lhe ia escrever o nome.
Ia dize-lo também em voz alta. Ia trazer a todos a mesma imagem. Ia fugir.
Mas a tinta acabou. Melhor assim, já que o corpo está cansado e a alma... dessa nunca sei.

20070208

altivo
passo seguro
entendo bem o que disse

a noite já é mulher
sento-me no chão
procuro-me entre os papéis que vou lendo,
que fui escrevendo.
encontro-me. num estado tão puro.
a luz desaparece,
acho que tudo o que digo perde o interesse quando o falo bem alto com as mãos.
e juro que estou a tentar dizer o que não consigo, aqui.
tenho o estômago a querer sair por serem tantas as coisas que quero escrever,
tanto o que quero partilhar que não consigo começar por lado algum.
ao mesmo tempo, tenho tantas portas abertas na minha mente como fechadas aos meus olhos.
vejo tudo como se a visão me fosse desaparecer a qualquer momento e me deixasse cego e preso a tudo o que não disse.
levanto-me. fico parado no meio do meu quarto.
a caneta continua a pesar por cheia e eu cheio de vontade de a esvaziar.mas não consigo.

procuro, na ultima luz e já na madrugada, o caderno e agora escrevo :

todo o meu corpo é suor e cinza
todo o meu saber é ilusão
todo eu sou um emaranhar de sentidos
e vontades que se afogam
com a vontade de me alastrar
como um cancro ou uma doença benigna
pelo corpo de toda a gente

todo o coração que me foge
me torna mais forte
e fraco
e me perco a cada palavra
que digo enquanto,
vivo,
tento amadurecer
e chegar ao ponto onde nao mais parar

todo o meu sentimento
é jovem e sem vida
e toda a minha vida é pouca
para falar de vida

tudo o que me passa
me passa tão profundamente
que não sei
o que falar
para que não pareça tão fundo assim

toda a minha tristeza é obra do acaso
e por acaso
não me chamo acaso

tudo o que dito
com uma caneta nas mãos
é o sabor
da minha pele
de tudo o que me toca
de tudo o que me marca
de tudo o que quero falar
mas nesta noite
não consigo !
NÃO CONSIGO!

20070203

hoje faço. parabéns

tu que sentes
tu que me vês
hoje nasci
só para te ver também
aqui
na palma da minha mão
na minha face
na minha boca
no vento que me leva o cheiro
na àgua que me lava os olhos
nas costas que viro
à certeza que perdi,
algures,
entre o ser caos
o causar um caos
e um desaparecer no caos.

pobre tu,
que ouves o que eu digo
logo tu
que nunca o quiseste
vês-me agora .

tento perceber
a verdade de tudo
porque tudo tem uma verdade
até tu

também tu tens uma verdade
eu sou uma verdade
e os anjos não existem
se existem
não sabem voar
se voam
fazem-no como reflexo

hoje dei-me os parabéns
hoje nasci
outra vez
a lua viu
as nuvens viram-me
nascer
o dia deu-me os parabéns.

mas à noite
quando o cheiro a queimado se torna luz
quando a luz não dorme
quando o sono não come
quando a comida não aquece
quando o quente desaparece e me deixa na cara
um rosto ferido
pálido
esquecido

tu que me vês
tu que me sentes
tu por quem nasci
(todos os dias até hoje)
não estas lá.