20121111


Limpei a casa, de novo. Pareceu-me tudo igual a quando estava tudo sujo. Suponho que a minha presença é, por si só, suficiente para inundar o ambiente da implacável sensação de nojo.



-Abel, um ano depois de tudo

20120606


tinha acabado de jantar
julgo que
naquela noite, empadão
frio do almoço
e bebi um copo de vinho tinto
e não lavei a louça nem a
arrumei
porque estava a dar a bola na tv
sentei-me no sofá vazio
e a sala transformou-se
num retrato escuro
da minha sombra embutida na sombra do sofá
no centro de uma orla branca
e de
um espaço negro
quando me levantei
o retrato da sala escura
ficou vazio,
só o sofá negro contra
a parede branca
e percebi que o sofá
tinha voltado a ficar vazio
e então percebi
que estava sozinho em casa
e há muito tempo
que não ligava aos meus amigos
e há muito tempo que não tinha amigos
e há muito tempo que não sentia o corpo
de
uma mulher.
lavei a louça e arrumei o prato
o garfo
e o copo
entalei a cadeira
na mesa.
fiquei parado a observar
que a casa toda
5 minúsculos compartimentos
era um continente
pangeia infinita
sorri,
abri o gás e fui comprar tabaco
voltei com uma puta barata
da rua das amendoeiras
abri a porta
e
acendi-lhe um cigarro

20120408

é impossível. esconder tudo não é possível. as palavras na parede, pelo menos elas, continuam lá, e carregam-nos na pele como chaves e abrem-nos o corpo para um inexplicável tormento. será isto aquilo a que chamam o paraíso ou o inferno? um dos dois de certo controlará todos os meus movimentos desde que me levanto até que adormeço, outra vez e outra vez, repetindo simultaneamente os teus gritos e os teus beijos, num loop intenso e incessante nos meus ouvidos e na parte de trás dos meus olhos. não te esqueças que escrevo sozinho, tanto nesta noite como em todos os dias e o teu cabelo continua atrás do meu cheiro e das minhas mãos. senti um bafo quente soprar da porta, o carteiro pede-me que assine, eu assassino. três palavras num papel meio amarrotado, com uma caneta, meia gasta, e ele desaparece. há um zonzo cambalear de ideias e de imagens entre o momento em que me dão um sorriso e aquele em que desaparecem. deus saberá de certo ao que remontam todas estas palavras que nos abrem.

20120122

as cores de terça-feira, uma madrugada e meia

negro: não é tristeza
é
estar cansado
de ser tão feliz
de ter sido tão feliz
de ter que ser tão feliz
negro: não é tristeza
é
estar descansando.