20081218

era tarde, ou demasiado cedo, e os candeeiros da avenida apagavam-se um a um como velas que
o vento soprava. o meu corpo acordava de um sono que nunca veio e os semblantes carregados das fachadas,
das janelas, das portas enormes em madeira, pressionavam-me contra o interior magnético de mim próprio:
todo o meu corpo se mitigava, a roupa, enquanto eu tremia, crescia como um oceano. era de manhã porque o sol
assim queria, não havia muita gente por perto e a que havia desinteressava-me de toda a humanidade do mundo.
o frio rangia no silêncio como um grito e quebrava as finas orelhas de marfim do céu. e pareceu-me ouvir-te
ao fundo da rua, a tua voz ao fundo da rua com os braços abertos na minha direcção,
todo o frio do silêncio da saudade dos momentos se fechou no espaço de um segundo... mas ao fundo da rua, só o fundo da rua.

20081208

não há esperança de chorar

os carros com pessoas dentro
formigas enormes da cidade
obreiras da morte
nunca lhes vejo o escuro
olhar

eu sei que todas têm olhinhos
e caminham sem ver
rapidamente no fogo
para não se molharem

todos os quartos guardam uma mulher
as janelas estão fechadas
é que assim
a partir do nada
imaginamos que elas estão nuas
e não nos queimamos

não há esperança de chorar
assim de olhos fechados

a nossa existência pesa
e nem isso conseguimos ver

nunca é demasiado tarde
para se morrer cedo de mais

e a eternidade assusta
como morrer ao domingo
ou abrir os olhos e ver que falta
uma bolacha no céu
ou um beijo na carne.