20070324

o que é cair?

cair de um céu salgado
num mar cinzento
apagar as velas de um sopro
soprar o vento para longe
sem pudor
e com os vizinhos a assistir a minha queda,
como na ilegalidade da eutanásia,
incrédulos
ao ver que o que eu faço
é tanto daquilo que eu não sei o que é.

cair
só para quebrar esta monotonia
que é acordar para ter os olhos abertos
levantar e andar
para que o mecânico do Homem que sou
não apodreça no quieto de quatro paredes
e assim se esqueça que existir faz bem à saúde.

e existir não é só ter o nariz apontado para o céu
cair é bom,
fazer amarelo o que é preto
e depois das cores
o exacto do corpo arranja sempre forma
de se por de pé
mesmo que o mais difícil seja
por um único instante
tocar com a cara na aspereza da terra
e senti-la rasgar o musculo
senti-la ensanguentar a face que oferecemos
senti-la quebrar o espaço e o tempo
e,
num rejubilar instantâneo,
deixa-la cair em nós também.

depois, cair mais ainda
porque não sabendo o que é cair
bem posso imagina-lo
como um mergulho
bem mais fundo que tudo o que imaginação vê
e bem mais real que tudo o que os meus olhos têm.

20070304

como faz verão por dentro
deixo o uivo no chão
preso
gemo
desprezo
o surdo
não te oiço

levanta-te
na cor cinzenta do poente do céu
diz-me adeus
que eu não te oiço...
eu não te oiço.

ventos
impulsos (pulsos) sexuais
animais.

o poeta...
o que é?
o poeta não nasceu...
não existe

batam palmas!