20111219

De como desorganizei o ensino básico

Hoje reparei em Mercúrio
Sendo convulsões de febre pela
Milky way superior dos meus testículos
Ventosas,
Pontas afiadas de agulhas prontas
A metamorfosear oocitos vermelhos
Amarelos
Em pequeninos girinos

E a Mary perguntou-me da cozinha
Em que pensas Alves?

E foi como se Mercúrio implodisse e
Com ele vegetações oceanos de vida em potência
Na parede branca dos meus lençóis

Em nada respondi
Como se fosse possível pensar em nada

Limpei-me
Permaneci quieto porque não é fácil
Acreditar que estivemos tão perto de fecundar
Mercúrio
E mais uma vez
Fodemos tudo sozinhos

Vens almoçar? Tomas banho primeiro?
Perguntou Mary
Soando não como uma perguntadora
Soando mais na forma de um claustro de pedra
Ditatorial
Divinamente ditatorial
Uma igreja

Respondi negando a liberdade de uma terceira opção
Vou tomar banho
Levantei-me quase sem dar conta dos milhões de movimentos
Que os meus músculos iam fazendo para empurrar-me até
Ao duche

Reparei em Mercúrio cada vez mais pequeno
A desfazer-se em pó como no inicio dos tempos
Protoplanetas em colisão
Ventres de mulheres apaixonadas
Dançando
E a água levando de mim
Restos de amor
Deixado em mim
Moendo-me a uretra com Neptuno
Em forma de
Uma consciência pesada.

Saí do banho,
Enfatei-me e engravatei-me
Sorri
Bom dia, querida.

Ninguém deu conta,
Tudo parece igual.

Respiro.

20111116

Partir comprimidos imaginando

Planícies alpinas suicide free

Paris em chamas para me aquecer

As mãos

Helsínquia a pedir esmola em

Santa Catarina

Amesterdão de fato e gravata

Trabalhando das 9 as 5

Numa multinacional que ironicamente produz

Estes comprimidos que parto

Com a precisão de talhante

Que é a profissão mais parecida com cirurgião

Que eu conheço;

Jerusalém de roupa lavada

Chovem foguetes no céu no dia

Das cerimonias fúnebres da mãe da minha vizinha,

Milão

Que se suicidou ontem,

Após uma garrafa de um bom Moscatel e um peixe grelhado

um robalinho do Sado,

á lareira, perto da varanda, que a manhã

ilumina anunciando

num tom de claro desprezo

todo o resto

do universo.

20110904

sobre 7 biliões de pessoas

' vénus perdoa '
esse amor encavalitado
num poço de pedra dourado
porque ela disse
e as escamas de terra
crescem todo o dia
enterrando os vestígios
como adormecendo o passado
num cheiro colonial
de mato e karma
tropeçando aos soluços
no próprio nascimento

porque ela disse
'vénus perdoa' este amor de falta de ar

numa garganta
cortada
e num casaco negro
ao longe
abandonado
escrevendo numa grafia sanguinária
'vénus perdoa' porque vénus perdoar-nos-á


um dia

no dia em que esvaziarmos
esta multidão vampira de justiça
e o amor
sublinhado e a negrito
numa ânsia carnívora de corda
amarrar
em nós
todo o tempo
enquanto cai
desamparado no universo
um corpo
adolescente.

20110808

de quando eu sei que mereço tudo

Não mereço menos que tudo. Foda-se se mereço menos que tudo. Mesmo que me custe cair na cama e adormecer,
com tudo o que paira como a brutalidade da castração no poço fundo do meu pensamento. Não mereço menos
que uma tarde perfeita, com o amor ao meu lado, sou especial, com o amor ao meu lado num jardim londrino
ao fim da tarde, com uma sandes de caos, quente, morto, sanguinário, e uma cerveja a acompanhar o sol a cair
sem o vermos, na neblina cega de Abril. Mesmo que eu não me esqueça de anos e anos. Não mereço menos que
ser um menino, o menino que sou, eternamente, e chorar sem medo que, ou chorar com medo que, chorar
com o amor ao meu lado, com um colo caótico, quente, vivo, cheio de vida e uma brisa suave, no fim de
uma tarde de Abril, a tocar-me a face e a dizer
- Vai ficar tudo bem, querido
Não mereço menos que tudo e não preciso que me lembrem disso. Eu sou um tipo especial, bem educado, bonito.
Não mereço menos que tudo e vejo nomes subir subir subir subir na minha direcção e a diluírem-se no
passado como imagens perdidas na memória de um cego. Cego nesta neblina britânica caótica de um qualquer Abril do futuro mas
- Vai ficar tudo bem, querida, prometo

20110712

conto-te um segredo, conta-me os cabelos

estava deitado na cama a fazer contas aos cabelos que vou perdendo como que a envelhecer nas minhas mãos. estava
deitado vivendo dentro de um passado tão mais velho que eu e mesmo assim com tão boa aparência. e eu invejo o
mundo exterior a mim: tudo tão mais calmo que esta pasmaceira interior que me come por inteiro. invejo-o pela razão
de não ser meu e de não me importar para além da inveja que tenho por ele.

20110709

No outro dia acordei sozinho

Há vezes em que me sinto tão sozinho como Deus quando cá chegou. Há dias em que me sinto um produto da sua esquizofrenia.

20110703

cheguei tarde a casa

Não. Não é preciso falar. Somos pessoas totalmente diferentes, entendo isso, igualamo-nos talvez no ódio que temos por mim.
E mesmo assim, julgo-me diferente de ti, em última análise, conheço-me tão bem que acho necessário ter sempre um pé atrás
em relação ao que eu digo e faço. É fundamentado com bases bem sólidas. Percebo que não entendas isso, nunca foi o teu forte
abrir cartas e ler do fim para o principio. Nunca quiseste ler o fim. Mesmo que este fosse megalomaniacamente profetizado
a cada virgula. Mas eu percebo, a tua ânsia de viver o máximo de tudo impediu-te de aproveitar qualquer ponto final
que te tenha dado, até que nos cansamos um do outro e eu de mim e tu de mim. Ouve, eu entendo que seja difícil. Entendo
que queiras fingir um pouco mais que gostas de mim, que gostas da forma delirante que uso para entender a minha vida
e achar que o sentido é uma propriedade em meu nome, com escritura e que paga IMI e essas tretas todas. No fundo,
só queres prolongar a minha felicidade, mesmo que isso custe a minha felicidade. És uma boa pessoa. Eu é que não.
Tu sabes disso. Eu é que não.

20110505

poema a sério

Sopra, sopra vento
e apaga a minha sopa,
Sopra e sopra de novo , vento
e traz-me o cheiro,
Sopra só mais uma vez, vento,
Sopra e leva-me as cinzas,
Sopra e tapa me as feridas com terra humida,
Traz o novo cheio e sopra em vão,
Sopra pelo sopro,
vento que não temo por ter um coração de pedra
Sopra em mim mutilado de ti
vento cruel do fundo dos oceanos,
Sopra mais que o meu corpo alado
Sopra além do que vejo e faço
de mim no mundo mudo
faz silêncio do escuro mundo
desfaz a vida imovel do surdo
suor do nada, atroz, imundo .
Sopra, sopra vento
apaga-me a luz
que adormeço em paz,
e na derradeira liberdade
sopra vento
de ti para mim
que finalmente sonho
um sonho sem fim
que é levar-te longe
nesta colisão constante
que sucede incessante
o calor que se apaga
e o frio aceso
de um coração pulsante.

20110415

poema das minhas doenças todas

ai se eu fosse maior, se eu ousasse poder pensar querer ser maior e se nessa ousadia,
ai, eu não adivinhasse poder ter inevitavelmente que sofrer,
ai, eu proporia ás divindades universais das galáxias do inferno e do céu
mudar para mim
toda a felicidade dos mundos envolventes
e
ai, que se eu não fosse tão doente e frágil assim como sou
ainda seria capaz de aproveitar dois ou três
dos pedacinhos de (toda a ) felicidade (do mundo) que não tolhessem ao tocar em mim.

20110410

poema de quando eu tenho medo

vais sobrevivendo mordazmente
aos tambores
de ferver na cidade
de ferver na cidade
DE FERVER NA CIDADE
aos tambores dos velhos na janela
aos tambores dos olhos dos velhos na janela
tacteando com as iris profundas da idade
o cinzento cannabico da juventude da praça
á meia noite
sobrevives
deslizas os braços de um lado ao outro da rua
fachadas de abrigo porque
o mundo não está a cair
mas parece que é inevitavel
que te caia em cima
os teus braços são gigantes
as pessoas páram a olhar para ti
porque tu és de certa forma
excepcional magnifico
completamente banal
uma autêntica besta
o fundo da rua sustenta uma igreja
abriga-te e reza
ou corre para o carro e tranca as portas
desliza os teus braços gigantes no porta moedas
procura as chaves do carro
as chaves do carro?
porque não paraste para rezar?
devias ter parado para rezar que o céu assusta-se
quando lhe falas
e afasta-se de ti
as chaves do carro?
a cidade está a ferver
as lâmpadas gaseadas explodem num pó de carne picada
as chaves do carro, tens que sair daqui
o metal que ampara as parabólicas encarna
discos voadores de canais e canais e canais
de pornografia
no vidro da frente do teu carro
merda
devias ter rezado
as chaves do carro!
vapores de gasolina
o barulho infernal da salvação
corre cavalo de rodas corre
não há vermelhos
tudo é vermelho
a cidade arde ferve arde derrete
tudo é vermelho não há passadeiras
atropela o vento e toda a gente, não há vento tudo é vermelho

é a tua casa
são os teus amigos
sobreviveste e agora chora
é a tua casa eles estão contigo
frescos, suaves, do teu tamanho
mete-te dentro deles
e acalma-te

que a cidade
nunca há-de penetrar no teu peito

por isso não temas um desastre nuclear
mas lembra-te sempre do caminho de casa
lembra-te sempre
do
caminho
da tua
casa.

20110319

mas eu prefiro que não o faças

mata-me que sofro
horrores
e estamos perto
do rio
levar-me-á com ele
ninguém dirá foste tu
amanhã
nem nos lembramos
eu não certamente
como se tivesse deitado a cabeça
no parapeito belíssimo que é
o ventre materno
outra vez

tosse uma pedra
á velocidade da luz
contra mim
o vento está forte
ajudar-te-á
nem sentirás parte de ti
quebrando-me a cartilagem
perfurando o meu lobo occipital
parte de ti
cegar-me-á
como se eu tivesse deitado o olhar
para o mais belo retrato
deste rio
pela última vez
na minha vida

mata-me que sofro horrores
e assim
amanhã
já nem precisamos de nos falar
já pensaste o quão fácil seria
tornar as coisas
milhões de litros de vida mais simples?

20110315

praticamente nada do que me lembro existe. ou existiu. não são raras as vezes em que dou comigo,
numa segurança de pilar, a pensar para o infinito naquilo que tenho, no que tenho realmente
e naquilo que por força não sei bem do quê me foi caindo aos pés e não tenho nada. palavra de honra
que não tenho nada que seja realmente meu. é tudo emprestado, acredito que a minha própria vida
me foi emprestada por alguém que se cansou dela, alguém que a achou demasiado chata e se cansou
dela como se cansam os cães de correr em torno de si próprios: cansaram-me de mim e :
- toma tiago, é tua. agora usa-a melhor que eu.
e a verdade é que não a consigo usar melhor que ninguém.
dá-me uma paz de cegueira inacreditável imaginar o dia em que por alguma razão menos obvia acorde e
pense que estou a viver por dentro de mim. porque nem eu me sinto realmente meu. eu não sou assim,
desta forma, não tenho as atitudes que este corpo arrasta nem falo como eu. eu sou diferente de mim,
completamente o avesso de mim. imaginar uma chuva de raios de sol tocada pelo vento, eu a fugir
mas o calor a correr comigo. imaginar uma derrocada de chuva a soterrar-me o espírito, a arrancar
de mim o espelho da alma, depois a alma, depois a dar-me de novo os meus próprios ossos, a minha carne,
o meu sabor. dá-me uma paz de cegueira imaginar que não tenho alma, nem espírito, nem essas inutilidades
todas que as pessoas inventam de si e sentir-me meu. e mais que sentir-me meu, sentir.
é tão isto : não me lembro da nada que existe, sinto tudo tão distante .
e dá-me uma paz de cegueira imaginar que resolvo o mundo como quem resolve uma equação
- y=2 e x=1
só que em vez de números, palavras, que não são minhas, porque eu não digo isto, eu nunca aprendi a escrever
mas é por teimosia, teimosia persistente, que este corpo, cansado de si próprio, dita coisas que nunca pensei
conseguir dizer. mas é por teimosia, teimosia firme de pilar, que este corpo, mesmo cansado de si próprio,
continua a viver e, cada vez mais, a afastar-se daquilo que realmente sou.