20100509

eu sei que aguentas, como terias aguentado se descesse em ti o terrível peso
das tetas de Deus, e se te tivesse tocado o Midas gigante
que é o meu ego ou se te tivessem comido viva os cabelos de Medusa do meu amor
intolerante imprevisível imperativo impiedoso imponente improvável e lamentável
é normal que aguentes, como um blindado no deserto, a apanhar com a chuva graciosa
de balas e a tempestade irrequieta de areia que é esta tripulação à deriva
no meu organismo, como uma infecção vestindo o meu coração de cemitério, flores
e lágrimas, e do outro lado, de jardins de Primavera, de flores e risos. como eu sei
que aguentas essa tortura que te suja a língua de beijos e te enche a boca de uma libido
fálica em estado puro. o derrame dos sonhos. em toda a dimensão esguia de um quarto. a janela
servindo para lançar notas musicais, melodias de prazer em chama chamando por todos, por todas,
numa canção sexual incapacitante, penetrante, incoerente.

eu sei que parece difícil mas tu aguentas, até as facas e o fogo e as pedras, esse teu
escudo incapaz é de uma qualidade que nem por sombras consegues imaginar. e incapaz és tu, pelo menos
incapaz de ver onde cresce luz, seguir-lhe o cu esconderes-te nela.

e tu e eu e todos

e eu sei que aguentarias a simples merda de sermos mortais, mas o tempo urge. e eu, tal como tu,
seria capaz de tudo, se por um momento, tivesse pensado em deixar que acordasses. para te maltratar
de forma consciente. teve que ser.

20100505

I'll pay it off in blood, let I be wed

Sinto-me velho desde que nasci. Não é que não signifiquemos nada a vida inteira. Porque significamos.
Mas e o significado que atribuímos às coisa? Não será isso que nos faz ser alguma coisa? E as pessoas não
são coisas. As pessoas existem e a morte é uma puta. Hoje sinto-me especialmente velho. Mas sinto-me velho
desde que nasci, como se tivesse nascido ontem, porque me diverti e hoje estou cansado, porque vi toda a alegria
do mundo, e a tristeza a tropeçar à minha frente e eu a tropeçar nela. Havemos de nos levantar os dois e seguir,
cada um com as suas mazelas, os nossos caminhos, qual guerreiros depois de uma batalha, mas até lá vale a pena
lembrar que nem a mais forte seca torna pequeno o caudal de amor que temos pelas pessoas. Infelizmente
somos estupidos ao ponto de construir barragens ao longo do leito do nosso coração e por estupidez esquecemos
que somos recém nascidos toda a vida, que nascemos com uma deficiência congénita incompreensível à medicina,
à psicologia, à bruxaria: a morte. E por mais horrível que seja a palavra, é essa deficiência que me faz sentir
velho desde que nasci. Eu não tenho medo de morrer, é natural, necessário. Mas a morte é uma puta,e eu só acho que nunca vivemos o suficiente para lhe pagarmos o que ela merece.
A tristeza vai continuar,
meu caro, em todos nós, porque é natural, é necessária. Estamos a pagar por ti, vivos, em pé, por ti, para irritar
suavemente, cada vez mais a cada dia que passa, essa puta que é a morte. E acredita, enquanto nos sentirmos velhos,
doentes, com dores, tristes e contentes, a morte perderá sempre. Por ti, meu caro, por todas as pessoas que têm
algum significado para nós, enquanto vivermos, a morte perderá sempre.