20081218

era tarde, ou demasiado cedo, e os candeeiros da avenida apagavam-se um a um como velas que
o vento soprava. o meu corpo acordava de um sono que nunca veio e os semblantes carregados das fachadas,
das janelas, das portas enormes em madeira, pressionavam-me contra o interior magnético de mim próprio:
todo o meu corpo se mitigava, a roupa, enquanto eu tremia, crescia como um oceano. era de manhã porque o sol
assim queria, não havia muita gente por perto e a que havia desinteressava-me de toda a humanidade do mundo.
o frio rangia no silêncio como um grito e quebrava as finas orelhas de marfim do céu. e pareceu-me ouvir-te
ao fundo da rua, a tua voz ao fundo da rua com os braços abertos na minha direcção,
todo o frio do silêncio da saudade dos momentos se fechou no espaço de um segundo... mas ao fundo da rua, só o fundo da rua.

20081208

não há esperança de chorar

os carros com pessoas dentro
formigas enormes da cidade
obreiras da morte
nunca lhes vejo o escuro
olhar

eu sei que todas têm olhinhos
e caminham sem ver
rapidamente no fogo
para não se molharem

todos os quartos guardam uma mulher
as janelas estão fechadas
é que assim
a partir do nada
imaginamos que elas estão nuas
e não nos queimamos

não há esperança de chorar
assim de olhos fechados

a nossa existência pesa
e nem isso conseguimos ver

nunca é demasiado tarde
para se morrer cedo de mais

e a eternidade assusta
como morrer ao domingo
ou abrir os olhos e ver que falta
uma bolacha no céu
ou um beijo na carne.

20081127

nomes

não sei. acho que sentia a pele colada à almofada. a cor da pele: é isso: a cor da pele colada
á almofada. se me levantasse todos os meus anos levantavam-se comigo e só deus sabe o peso e o incomodo
que era eu agora do nada empurrar o mundo para baixo.
assim como assim é sábado e o tecto escapa-se de bonito, foge-se de feio, chove dentro desta casa
como se as nuvens fossem metralhadoras de lágrimas, a minha bolsinha com as fotografias da Ana que
tirámos o ano passado quando ainda éramos felizes e dois toda molhada. mas que raio me deu para as por
ali e não cofre junto das notas antigas e das coisas com valor? gosto especialmente daquela foto em
que estás a arranjar o cabelo ao mesmo tempo que equilibras um travessão na ponta dos lábios e sorris
para a câmara. também gosto de perceber que não entrei nessa fotografia, tirei-ta. não faz
sentido roubar momentos a pessoas, pois não? e mesmo assim roubei-te aquele momento e nem o soube aproveitar.
é estranho como parece chover mais cá dentro que em todo o mundo. não vejo o sol há mais
de uma semana e o mesmo é dizer que me tenho afundado nesta cama e que estou cada vez mais doente
e fraco. pálido. se ainda não morri não ha-de faltar muito e é um caralho não conseguir dormir. a cama
parece que tem 7 lados e é toda pontiaguda raios e o barulho da água a cair na bolsinha de cabedal
fode-me os cornos tac tac por amor de deus desliguem o som da vida antes que eu dê em doido. é que
este tac tac, sempre presente em tudo o que eu vejo e escrevo ainda no outro dia o escrevi tac tac
uso-o para o bater dos relogios e o girar do resto tac tac irritantemente a lembrar-me de ti. e continua a chover
desalmadamente nos lugares que nos afastam, onde as flores ficam pálidas e murcham e outras nascem mas
já nao fazem sentido. se me levantar tomo banho e preparo um pequeno almoço, compro o jornal la em baixo
e vou até ao café com ele pela cabeça entro e digo bom dia.
( que anárquico que este desabafo está a ser )
estamos em agosto, ou em novembro. a minha barba cresceu como se eu já fosse um homem, já
pareço um homem agora, que mais queres tu? o meu cabelo também cresceu. talvez o corte mas depois
vou parecer um menino outra vez. gosto tanto das letrinhas das mercearias antigas que piscam,
alternadamente, Mer earia Opes M rceari Lopes Mercearia Lopes, num código - castiga-me que eu mereço
mas não assim - que nem o próprio merceeiro conhece. há bombas que explodem em todo o mundo, há
carne a subir e a descer, polvilhando a terra com sangue eu existo á espera do meu coração que não
explode de uma vez para me tirar daqui - castiga-me que eu mereço mas não assim. não sei se faço bem
em ficar por cá, estou a perceber agora que aquelas fotos que estão a desaparecer são o melhor que
me pode estar a acontecer. estou sozinho agora por pouco tempo, e as minhas ideias flúem como nunca.
há um pássaro que desce e canta muito rápido acompanhando a metralhadora que desfaz todos os pedaços
da tua cara e eu não o vejo mas sei que existe porque não estás cá e quando nos sentimos muito sozinhos
a ilusão do tamanho cresce e tudo parece maior e menos ocupado. não sei se me fiz entender mas foda-se
a ideia é básica.
quando suspiro nasce um zumbido longo nos meus ouvidos. a cidade que cresce lá fora com
o amanhecer ignora-me. falo sozinho e, ironicamente, ignoro tudo o que digo . a minha cabeça
é cinza. sou arrogante, trato mal as pessoas e construo uma especie de ritual que me faz enjoar
tudo o que faço, o que nunca fiz e o que( tarãaaa previsível ) - castiga-me porque mereço. assim não.
se a chuva parar entretanto paro de pensar, ou que chova tudo de ma vez e que o tecto caia
em cima de mim, assim como assim é sábado e não tenho nada para fazer. morrer nunca é má ideia
ao sábado.
( eu depois volto para escrever alguma coisa, prometo )

o céu parece mesmo o céu mas eu não sei o que ele é e o quão longe fica. talvez se eu abrir os braços
o apanhe, se eu esticar os braços o ultrapasse, se eu abrir os olhos... o faça cair.

vamos personificar o tempo e dizer que a mã
e dele é uma puta, por favor!

20081005

Descobri de forma crua, talvez visceral, que escrever é um processo gigantesco de solidão e tristeza. Mesmo quando escrever significa transpor uma alegria imensa que nos cobre a alma ( e quando digo alma, digo corpo e o resto do mundo ) . Por isso é que sinto falta de estar triste e de estar sozinho. Mas quando estou triste e sozinho não tenho motivos para me sentir triste e sozinho porque a vontade de viver é tanta que me cega e tudo o que é luz metamorfiza-se e torna-se trevas e é quando caio em mim: talvez não seja assim tão dificil ser feliz: só é preciso estar muito triste de vez em quando e dar conta disso.

20080821

caminho, a luz na minha sombra
arranha-me os passos nas noites em q não sei deles
oscilo como se procurasse um caminho nestas praças
que não vêm os dias, nem a lua, nem o sol
e as estrelas são pontos sacudidos à toa no céu, de q me servirão elas?
a mim q não tenho para onde ir mas q mesmo assim caminho
impulsivamente ao ombro de um arco de fogo
que me vai saindo da cegueira e q me guia
segurando-me pelas pontas da fuga
o eterno medo de sentir essas notas
q te saem dos dedos e q me atravessam
da unica forma q me faz ver as coisas da maneira
como os olhos se usam no afloramento da visão.
e eu continuo, caminho na guarda de um novo dia
esperando outra luz que me preencha pq nos meus braços
nenhuma outra ousou caminhar desde q deixei de erguer
o meu caminho pelos braços dos teus olhos.

20080730

ouve, és tu que me fazes mentir.

apetece-me ser uma navalha de sangue, cortar-te a boca, entrar em ti.
ver-te por dentro, o que guardas tu por dentro que me faz o sangue ferver?
apetecia-me deixar a pele á porta da dor e sentir, ó, sentir, como seria bom
dizes tu, ensanguentada, sentir, que mito magnifico. dizes tu, porquê? e eu
não te respondo porque o universo me obriga a fechar a boca e a revisitar tudo o
que fui e o que fiz, porque esse animal grotesco me obriga à dura habituação de espaços
e pessoas, ao amontoar de ossos em mim, retalhos de peles em mim, o estúpido fato humano
que vestimos porque nos convem: e a mim nada me convem, nunca me sinto contente. por isso
apetece-me cortar-te a boca, cortar-te a língua, cola-la em mim, usar-te. apetece-me
usar as tuas falas neste mundo sem cor a viver de cor, apetece-me, sei lá, matar-me mais
que duas vezes, três... nascer por aí, abandonado.

puta que pariu esta felicidade que não cabe em mim!

ouve, apetece-me ser vento.
apetece-me mesmo voar

20080719

a luz esbarra fria nas arvores projectando em nós a sua ausencia. cantamos com o silêncio que nos
envolve. ás vezes os nossos corpos deitam-se um sobre o outro como seu céu poisasse, vivo morrendo, no calmo
correr dos oceanos. é aí que sinto que toda a vida é aquilo e somos nós .

20080701

eu estou tao feliz
porque eu nao sei de onde venho
nem para onde vou
e entretanto
esta nao sapiencia é tudo o que eu sou
e sou tao simples
que seria capaz
se me fechassem os olhos
de ser pó

20080618

esta máquina gigante não se mexe.
esta anatomia sufocante e sensual ( diria sexual ) atrai o nosso corpo para
o vinho quente, inebriante, da loucura... e deixamo-nos ir.
preciso de um lar, não me dês outra coisa agora. preciso de precisar
e preciso de ver. preciso que esta máquina volte ao sitio.

somos comboios de carne:
como se a escuridão nos falasse baixinho ao ouvido frases que nos fazem sorrir por dentro:
e descarrilámos: como se o ferro de nós tivesse sido fundido no mesmo tempo, no mesmo sol,
em lugares completamente paralelos: e de súbito as nossas vidas colidem violentamente
deixando atrás de si um passado morto e imensos lugares de sangue e imensos pedaços de outras
pessoas: e o vapor de nos exalta toda a escuridão que libertamos e já nada é preciso ser dito
com calma: gritámos os dois : os dois: dos dois...


chiuuuu...agora devolve-me ao silêncio. há dias em que este medo se esquece de vir. há dias em que, simplesmente,
acordo. e depois regresso ao gigante paralisado que sou, á espera que voltes e que me enchas
de novo de coisas novas que o teu abraço é cada vez mais avassalador.

20080503

pensamos que era preciso
então voamos nos nossos sofás
e as nuvens do candeeiro da sala
tiravam-nos da memoria toda aquela confusão
os nossos olhos viam ratos explodir
esmagávamo-nos um contra o outro

[como seria bom
se nos sentíssemos de outra maneira[

saímos á rua
e compraste uma flor, muitas flores
saímos á rua
e compramos uma arma

tentamos morrer
porque as nossas mãos
tinham-se tornado grandes de mais
para segurar o mundo

e falhamos.

não havia ninguem na cidade
e pensamos inventar para nós
uma forma só nossa de falar,
de andar e de nos movermos em redor do ar

descobrimos que os carros não andavam
e as cores eram mentira
os cães que ladravam
sabiam a musica
e então comemo-los

descobrimos que os aviões
não voavam
e que o céu estava escondido
atrás das árvores dos oceanos
das pedras gigantes do passado
dos momentos e dos sons e da luz
e então destapamos o sol
cobrimo-lo com as flores que havíamos comprado
e então destapamos o céu
e matamo-lo.

depois tentamos morrer
e falhamos
outra vez
porque fomos incapazes
de destruir a unica coisa
que ainda era real:
o som de uma bala e de um cranio a explodir:
o nosso amor.

20080424

7 da manhã eternidade

o telefone toca
defronte da luz gelada do fim da noite

alguém me chama
daquela neblina quente de vapor

os sofás deitados
e as fotografias a dormir ainda

o telefone toca e tu não atendes
permaneces imovel
no teu futuro incrivel
gesticulas para te manteres vivo
agarrado ás cinzas de tudo o que
nunca te ardeu

no calor doce da madrugada
repete-se o desejo
de correr a cidade e encontrar
mortas em qualquer beco
todas as palavras

o cigarro evapora-se
a lareira liberta a furia de todo o mundo
e tudo arde, e tudo arde

e tudo arde
o telefone toca neste vazio eterno
nas tuas mãos a morte
gesticulas a morte das tuas mãos
nas tuas mãos o cigarro evapora-se
e lembras-te das fotografias que dormem ainda

lembras-te dos olhos e dos braços
porque amanhã é sempre tarde para o coração
lembras-te dos teus passos
mas imovel
amanhã é muito tarde
para que te lembres que continuas vivo.

fechas os olhos e dormes
fechas os olhos e continuas vivo.

calo-me
pq permaneço nas fotografias
e nos sofás
nos lugares e no fogo infinito da noite
e apaziguo a fome
de olhos fechados
na janela do teu quarto iluminada por ti
não morri nunca
na canção da tua voz
eu não morri nunca

fecho os olhos e dormes
e fecho os olhos e durmo
porque eu
eu não morri nunca.

20080412

para ti que tens todos os nomes do mundo

lembro-me. Meu amor, hoje chamo-te assim por não ter melhor ideia de ti. porque quero parecer enorme e sentir a musica fluir do fim dos nosso ossos, meu amor, hoje sou só meu e tu és minha e
por isso sou todo teu. lembro-me querida de ti. lembro-me querida dos nossos gestos em câmara lenta
frame by frame agulhas de pedra no soalho dos nossos ouvidos. câmaras árvores e folhas argumentistas
encenadoras realizadoras. meu amor, hoje chamo-te meu amor porque não quero saber o teu nome porque
o teu nome não me interessa desde que continues aqui, podes ser o vento, ou a chuva, podes ser a neve que me enche o corpo de calor ou o incêndio que inunda o meu espírito, leve navegador do mundo,
podes... tu podes, porque tu podes tudo desde que continues a ser, ouve-me no silêncio, a ser :

- Meu amor.

20080313

assim te chegam as mãos à garganta. os ossos a gritar lascas de dor e frio. a tua caraa ser um vaso de sangue pronto a partir. assim te matam esses lugares de cegueira tãocomuns em gente como tu. os teus pés, as tuas pernas, todo o teu corpo. todo o teu corpoa implodir num pólen amargo ao nariz: assim te chegam as imagens da morte enquanto bates o ar com as pernas e com as mãos e com o caralho das partes do teu corpo queviolei e mesmo assim desconheço. és mesmo, juro que és, palavra de honra se não és,uma cabra do pior, não me canso nunca de o repetir. é que se falasses comigo agora,mas nem isso, nem és capaz de me pedir ajuda. nem de me pedir para parar, o que raioassim... assim nem vale. fazes-me sentir sujo, imundo. fazes-me mal. mas acredita em mim,amanhã choro, abraço os teus pais, que abominável acontecimento senhor Mozel, que tristezatão grande e escura senhora Sara, deixo-te a merda de uma flor na merda do cemitério,digo-te adeus e deixo-te sozinha do mesmo modo cru que usaste para me matar a mim e de nós perpetuará no tempo o teu silêncio, as tuas trevas, as minhas mãos na tua garganta, a tua saliva nas minhas mãos, o teu olhar de menina no escuro, a tuacara lindíssima e as personagens que criamos de propósito do endiabrado sopro das nossas tristezas para imitar, sem eficácia, e ineficácia da felicidade.

20080301

dou comigo a pensar em várias formas de suicídio. não que me queira suicidar, longe de mim,

mas penso que o suicídio se torna numa espécie de termómetro da loucura e quanto maior a depressão

ou a falta de atenção que as pessoas carregam mais perto do céu fica o mercúrio da morte.

20080217





não sei em que mês parei. chove água miudinha e delicada salpicando cada um de nós,
regando o nosso saco de ossos deambulante e diletante. chove para que nos sintamos um
bocadinho vivos e um bocadinho tristes. não sei em que dia caminho, em que ano. não
sei viver. sinceramente, não sei viver. não falo e as palavras que digo, não digo porque
ninguém ouve. não oiço porque entre mim e o mundo gerou-se uma constelação de silêncio,
cheia de estrelas e mundos de silêncio, cheios de pessoas e plantas de silêncio,
cheio de pó de silêncio. não me ocorrem palavras porque as esqueci no segundo em que
soltei o abraço do ar e me deixei cair no tempo. nada nos ajuda. nada me ajuda.
tudo o que me toca desaparece, esquece-me, desinteressa-se de mim. não ajudo nada.
o silêncio é a sina da morte e o passado a sua madrasta.
e acordo nestes dias, sempre mal resolvidos, sempre cinzentos, sempre com chuva,
sempre, por mais que não sejam, maus... e sempre o mesmo pensamento banal de
esquecimento, ou sofrimento.
falta pouco. hei-de ser deslembrado brevemente, esquecido. os meus amigos vão arranjar
vidas só deles, com pessoas importantes só deles, e eu que me julgo, certamente,
importante para alguns, vou-me esquecer deles, e vou entristecer ao tossir dos
ponteiros mancos do relógio: tic tacs descompassados a arrastarem um ponteiro atrás
do outro como fazem os coxos com as pernas. e as imagens que tenho deles na minha cabeça
vão permanecer em forma de nostalgia ou de pedra no peito. vou chorar, eventualmente,
a morte de alguns, a perda de outros, o facto de me terem esquecido, essencialmente.
as fotografias vitrinas imensas de pessoas que não posso tocar, nem ver, nem ser capaz
de reconhecer. lagoas de lágrimas . e na lista telefónica do telemóvel um exercito
de cadáveres pronto a atacar por ordem de letras. as mensagens as mesmas de há 10
anos, como se o tempo dos bons tempos tivesse perpetuado e estagnado, e a minha cara
é a mesma de um puto de 18 anos a dizer com certeza que tudo isto é uma baboseira
e que nos íamos ver todos os dias, todas as semanas, sempre, uma vez por ano, talvez
duas, ou três, nas festas de aniversário, na entrega de um prémio de carreira, quem sabe,
na entrega do Nobel da Paz a alguém... e as lágrimas, entretanto, a subirem-me pelo
rosto e a afundarem-se no meu olhar, a molharem-me por dentro, a chorar onde realmente
me dói. porque quando dói ninguém esquece. porque quando dói ninguém esquece. porque
quando dói, teimamos em não esquecer. porque queria doer em alguém. queria que não
se esquecessem de mim, por favor, de mim não, de tudo, de mim não. passar na rua
e saber que passaste por mim e não te dizer nada porque não te lembras que sou eu.
passar por ti e por ela, por ele, por todos vocês, juntos numa reunião casual de
esquina de rua, a falarem dos vossos magníficos empregos, das vossas esposas fieis,
bonitas e fantásticas na cama, depois eu a passar, passeando os bolsos cheios da
inutilidade que fui acumulando ao longo de todos estes anos que estão para chegar.
tenho medo, tanto medo. e a campainha toca, deslizo do sofá com os olhos em lágrimas,
escondo as fotografias no obscuro fim do sofá, abro a porta, antes limpo a cara, agora
sim, abro a porta, um miúdo de 18 anos entra, senta-se em frente ao computador, escreve,
escreve, escreve para que não se esqueçam dele, escreve, só queria doer em alguém,
não uma dor má, uma dor, um prazer, escreve, levanta-se, senta-se, passeia-se inquieto
na sua não existência, cai, caí e de novo o silêncio, essa merda de morte. tão espessa e crua,
a responder por mim. e de novo o silêncio, essa potencia de carne e osso que nos atormenta o medo,
a lembrar-me de tudo o que, miseravelmente, deixei que se esquecesse de mim porque aquilo
que sou, há muito que se deixou de ver no escuro.

20080130

vamos morrer
assim como antes
no teu cabelo
num momento eterno do teu cabelo

ou em toda a extensão
de prado
da tua pele

ou em toda a lânguida
e veloz
vertigem
das tuas mãos na minha cara

ou no despir
abandonado
de uma lágrima

vamos morrer
assim
como antes
no silêncio:
a beleza serena
da violência
e das coisas cruas,
o vulto de lamina
do frio

vamos, amor
desaparecer
vamos os dois para perto
do fim
vamos, como dantes
assim, suavemente
morrer.