20130915

Das palavras todas

 Existes
Naquela palavra de quando
Tenho muita sede

Nas estruturas de betão que se erguem
Por entre os segundos todos do almoço
Cúpulas de vidro que me deixam ver
Todo o paraíso

Existes
Nos objectos da confeitaria
No meio do balcão ao lado do jornal
No soslaio viscoso da empregada
Na televisão sem som
Na parede suja,
Ao lado da porta da casa de banho

Nos montes insonoros que atravessam
Toda a ideia do Tempo
Num verde impossível
De ser
Tocado

Existes também
No fundo do oceano
Do meu copo de água
No lápis que pinta este incolor tormento
Na espada das minhas mãos
Por detrás daquela portada vermelha
Num jardim com o teu nome
Com todos os nomes
A serem o teu nome

Existes na fome
quando fujo
quando fodo
quando durmo

Existes
Sobretudo
Porque compreendes
Nas tuas entranhas esquecidas de mim
Todas as palavras.

20130902

2 o teu corpo escrito ao longe



Numa folha de zinco a preto. Nunca tive jeito para os primeiros momentos. Tenho a tendência covarde de mostrar os meus defeitos todos imediatamente. Como que a dizer que os arenques do rio dos meus olhos não estão vivos já. Escrevinhado como um sol sem luz num universo de desconhecidos. A nadar num deserto, no tom pálido de um café daqueles onde íamos para falar, com pessoas muito distantes, de olhinhos enfadonhos em letrinhas à sua sorte num jornalito de notícias sempre iguais. A matiné. Os estrangeiros diferentes calcando os soalhos em apocalipses de felicidade. A nossa carinha encostada ao interior do vidro do café com os dedinhos em bico a pegar na colherinha e a mexer a merdinha da mistura que fica no resto do café e do açúcar. A principal faculdade dessa manhã: sou uma merda, fica sabendo, não aprenderás nada que valha a pena comigo, estou a envelhecer, a desperdiçar oportunidades todos os dias, a vida não é muito mais que isto. Uma guitarra brandindo choros de mãe na folha de zinco do teu nome. Ventres esquecidos na maternidade da minha memória. Outro dia sentei-me em casa, moro na frente de um mato, pinheiros altos, sobreiros, terra solta, remoinhos de vento remoinhos de terra solta, abri o estore e pousei quatro livrinhos na mesinha, refastelei-me de pernas abertas contra a imagem do vento a tocar, pentear, os pinheiros para a direita, senti que me faltava um ou dois rins, os pulmões, senti-me morto a tarde inteira. Ouvi um choro diferente. Dizias-me Tudo bem, antes isso que cheirares mal. O teu humor faria rir um Hitler qualquer. Eu também sorri, não muito, para não me mostrar pateta. Queria ter rido tudo ao teu lado se me tivesses deixado. Passei-te o pacotinho, passaste-me o dinheirinho, dei-te um sorrisinho. Fui embora Até à próxima.
            Aprender comigo que comigo nada se aprende. E a folhinha de zinco do teu nome com reflexos rasantes de guitarra a chorar lições de astronomia barata ao ceguinho como um professor mudo num deserto de torturas e memórias.