20070630

Hoje é Sábado... Só para que te lembres. I

Claro que é dia. Aposto que se der comigo, sem dar comigo, a caminhar pela rua onde te vi pela primeira vez, te oiço
embutida num sorriso a pasmar para mim e a dizer até já. E foi até já, depois do já: sumiste-te na tua vida e eu na minha.
Há processos lentos que se demoram ainda mais quando o ser sou eu. Lembro-me de ti num vestido. As casas. A noite a saltar
de bar em bar, eu a saltar com a noite, tu à espera de mim, as vitrinas a corrigirem a minha falta de postura, um cão a rir-se
de mim com os dentes todos, um coração a fugir-se em gotas pelo meu umbigo, um calor imenso que passava por mim na forma
de um frio imenso que passava por mim na forma de um nada imenso. Dormente. Completamente dormente.
Hoje lembro-me de todas as primeiras vezes que te vi, e de todas as outras vezes que eram sempre a primeira. Os teus vestidos,
o teu sorriso, os teus óculos de sol enormes, as tuas mãos, as tuas pernas, os teus bracinhos em nós no meu. Um abraço a
enternecer-me dos pés à cabeça e a moldar-me o corpo.
Aposto que , ainda hoje, se passar por ali , naquele cruzamento, o meu corpo contorce-se todo, aninha-se nos teus braços
e deixa-se desfazer levezinho.
Custa-me a crer que se percam momentos. De tempos em tempos sou feliz por me lembrar, não sei se continuas a existir
na mulher que foste comigo ou se és outra, se mudaste. Mudaste, claro. As pessoas mudam-se todas, cansam-se, deslocam
o espírito para o monte do Tobias, levantam-se, espírito, o que és tu, correm-se, mudam e pronto. Ela não gosta mais de
mim que eu de ti. Não me venhas com merdas que me partes todo por dentro e por fora que nem o raio-X tem sindicato para tanto
trabalho.
Hoje lembro-me. Hoje é Sábado, gosto de ti. Claro que é dia. Eu vejo o céu no lugar azul onde o céu costuma estar e não estou triste, nem contente: acho que hoje, sem mentir,palavra, estou feliz.

20070613

Há de haver vida que me explique o que é a alma.

Batem, correm á minha frente.
A minha visão cada vez mais turva reclama um lugar longe que não consigo ver. A rua continua parada
no sol, tão derretida como eu aqui sentado a pensar no tempo de quando eu ainda era jovem e trabalhava
naquela empresa de conservas onde estava tudo bem quando tudo estava calado e o trabalho era simples
e sempre o mesmo : maquina, liga, desliga, plástico, caixas de papelão, carregar.
Agora batem, correm á minha frente e eu não os vejo, cego, quase cego.
Agora não trabalho, os meus dias são sempre os mesmos, são sempre segundas-feiras, ou terças,
já não me lembro em que dia parei de ter dias, mas não são segundas feiras, devem ser terças, porque ás segundas feiras era dia de jantar em casa da minha mãe e a minha mãe, coitada, já morreu como tudo o resto, por isso deve ser terça feira, hoje. Ás vezes tenho que ir ao médico mas fora isso,
passo os meus dias sentado aqui na tasca do Alemão a ver as nuvens, algumas vezes o sol, outras vezes
chove, mas o sol é sempre o mesmo, as nuvens têm sempre as mesmas formas e a chuva cai sempre
no mesmo sitio, tão previsível que até quase cego fujo dela sem que ela me apanhe.
Os meus braços servem agora para mexer a colher do café e segurar uma bengala que me dá
um ar de maestro importante ou de figura da classe alta do século XVIII mas lá me saem os pulmões
nesta tosse de tabaco de anos e anos e lá se vai a compostura com os bois. Diga-se que deixei
de fumar em 73 quando a minha avó morreu, dizia sempre :
- Zé! ainda desgraças a tua vida com isso.
E a verdade é que deixei de fumar mesmo naquele ano. Voltei no ano seguinte e até hoje a única
coisa que o tabaco me desgraçou foram estes dois dedos amarelos.
A minha avó...Lembro-me do dia em que ela morreu. Tinha os pés atados ao sono de uma criança, eu sugado pelo
fogo da noite a contar estrelas em pleno dia. Não havia ninguém em casa, não havia nada em
casa, embalava no silêncio uma vontade, um querer tudo bem. Não havia ninguém.
- Sabes, é tudo uma treta. hoje acordas, amanhã nunca mais te levantas, depois de amanhã os teus dentes
apodrecem e acabam por cair, tu ficas sem sorriso e ficas sem vontade de viver e tornas-te sozinho
num monstro, em ti, numa pessoa que desconhecias mas que sempre foste : um monstro.
Transpirava razão por todos os lados. Lembro-me do dia em que ela morreu como se fosse o dia
em que eu nasci, lembro-me dela como se fosse eu que estivesse ali, uma criança.
Agora até eu pareço a fotografia que tenho dela, com ela e comigo. Estou igual,
nem me olho ao espelho, aquela fotografia diz tudo. Sou eu, ali. Igualzinho. Não mudei
nada. O cabelo caiu, estou cheio de rugas, aquele fato de casamento já não me serve,
já não tenho casamento, já não trabalho, os dias são todos iguais por isso continuo o mesmo,
igualzinho àquele homem da foto que sou eu.
Engraçado, batem correm a minha frente e eu continuo sem os ver. A cerveja a fazer pose
na mesa, o Alemão a mal dizer a política, a mulher do alemão a arrastar um cancro nos intestinos
que vai ser diagnosticado muito tarde, o Alemão a correr á sua maneira para fechar a conta e sacudir a mesa
porque há clientes novos, o vento a sacudir o Alemão ( fraco, quase osso ) e o meu pouco cabelo,
a minha mão a passear pela mesa com dois dedinhos um á frente outro atrás, depois mudam e imaginam-me
quando não eram eles a andar, a minha
cabeça a escrever isto, o meu coração que teima em bater sempre igual...
Se ao menos estivesses comigo, se ao menos falasses e destruísses estas coisas todas iguais,
sempre iguais, que se repetem como o meu trabalho de antigamente. Se ao menos eu pudesse
dizer que me fazes falta e que eu te oiço, agora eu oiço, prometo!
Raios! Há de haver uma vida qualquer, de alguém, nem peço uma minha, de alguém, que me
explique o que é a alma. Olha para mim, uma data de anos, velho caquéctico quase morto,
a viver sempre igual sem vontade e sem querer e ninguém me diz o que é a alma. Para mim
a alma é um sitio estúpido que as pessoas que não têm dores inventam para que lhes doa alguma coisa. E escondem-me o que é a alma! Eles escondem-me o que é a alma para eu não perceber o que é a alma! como uma criança, tratam-me como uam criança, respeito! Digam-me que não existe, digam... eu não choro, diga, vá lá...
Eu não tenho alma! Sei lá o que é a alma, os meus joelhos doem pra caraças: são a minha alma?
Acho que é isso, afinal a minha alma são os meus joelhos e agora batem correm a minha frente
e eu não os vejo, preso a esta cadeira de rodas, já nem joelhos tenho, maldita diabetes que mos levou.
E a minha alma, a minha alma são os meus joelhos! A minha alma eram as minhas pernas, as minhas almas, tiraram-mas hoje
e agora que cego, vejo melhor que nunca, é melhor voltar para casa, deixar o Alemão a chorar pela mulher,
deixar-me a mim a chorar em casa, apodrecer, daparecer, ser, er,r,.

20070610

' See you next year '

Why go home?
Há coisas que te ficam na cabeça até que a percas, foi assim o ano passado, foi assim na sexta feira passada, vai ser assim de cada vez que os guardar com os meus olhos. E não me venham com merdas, ao meu lado estava um casal com os seus trinta e tais anos, ouvem Pearl Jam desde o Ten e estavam ali, ao meu lado, a vibrar quase tanto como eu :D e já passaram.. quê? 16 anos? Ainda eu não sabia dizer ' estou vivo '.

Pearl Jam, deixando de lado todo o adorar que desenvolvi, é das maiores bandas de sempre e, neste momento, a melhor banda do mundo ao vivo.

Em muitas palavras : memoravel