20070130

Eu não esqueço,
Adormeço
Num contra-luz
O que passei nas tuas mãos.

Imagens
De um plano
Com as costas viradas para mim
E para a tempestade que me espera.

Tiro-me as mãos.

Tiro as minhas mãos
Do que disse.

Onde te dás
Eu queimo
Enrolo o cigarro
E sonho com o som do lamento
Com o choro…
Como choro…


É a primeira hora da Primavera. Falo como se tivesse vivido um sem número de Primaveras.
O primeiro sol chama e corro.
Sento-me calmamente. Tenho joelhos e cabeça e a cabeça nos joelhos.
Perguntas-me porquê.
Solenemente respondo que não posso responder porque se eu falar tudo desaparece, tudo se levanta, tudo se apaga.
Como pó... E toda esta ilusão de perfeição volta a dizer-se presente com voz grave e adoçada
pelo fumo azul que me passa e só se passa em mim.

Tiro as minhas mãos de tudo o que disse
Só quero
Que te magoes amanhã...
Numa luz
Que me adormece.

Primavera,
Água
E pássaros a mal dizer a vida
Vivendo e cantando.

O resto
É um corpo adormecido
e este calor que não sei de onde vem...
que me mantém acordado...

20070126

A persiana ficou meia aberta.
Deixei a caneta passear . sozinha, pelas linhas.
Deixei que me levasse para onde sempre me quis.
Deixei a vista , cansada e dormente, passear pelo céu vermelho.
Tirei um, dois, mil, quatro coelhos do meu bolso. Dançaram à minha frente
e explodiram em carne, plantando pedaços no meu jardim.
Amei. Amei tanto e amei tanta coisa que me esqueci de tudo o que amei.
Fui peça de roupa minha. Usei-me, emprestei-me, gastei-me ao máximo... Mas nunca,
nunca questionei o meu lugar .

- podemos todos cantar no nosso tom mais afinado,
podemos todos ser o coração no nosso humano mais próximo e ser o bem no nosso mal mais carnal.
podemos tudo se tudo poder com o nosso egoismo . E eu sou tão egoista.
Mas sou egoista porque só me importo com o que é meu e a escolha do que é meu, essa, sou eu quem a faz.

Abri a janela do meu 101º andar.
Respirei o meu próprio sono numa descida alucinante.

Se me perguntarem o que aconteceu depois, respondo alegremente :

Continuei vivo por mais alguns segundos, cantei, senti o toque dos lábios morder-me a alma,
sentei-me , nu , numa pedra e vivi por mais alguns segundos, mais alguns segundos e mais alguns segundos...
Fiz de conta que fui uma alergia e respirei-me.
Tossi os pulmões.
Vomitei as entranhas, as minhas entranhas vomitaram as suas entranhas, vomitei-me.

Vomitei-me porque acima de tudo eu sou parte de mim.
E nada mais fez sentido . Isso... bem, isso dá-me um rumo claro, que vou dilacerar, outra vez e outra vez e as outras vezes que forem precisas para aprender a sentir no sitio certo.

20070118

arcos de flecha
na calma
torturam-me as palavras
e o corpo .

dispenso
o calor
e o frio
ou outro qualquer desconforto.

tenho nos ouvidos
o barulho
que traz de novo
a vida.

e tenho na cabeça
a tristeza
que abre de novo
a ferida.

se me olhar
com os meus olhos
para me ver
em tempo de paz
dentro do teu corpo
amargo ou doce
o meu sabor vai ser sempre o mesmo.

o sopro do vento acalma
e o ar alimenta a fogueira
não é um sufoco
ou uma cegueira
nem o aliviar da morte a pairar

não é o caudal do rio
que se parte e transborda
nem os teus orgãos mudaram todos de lugar
não é a paz;
não é a guerra.
não apenas hoje
muito menos amanhã.

só eu sei que devaneio
me trava.
mas não o chamo
para não me fugir.

20070110

caminho eras o caminho eras o...

era um caminho
dos mesmos
que tu vês
quando te vês a caminhar para casa.

vi que o era
e tracei uma cruz
noutra direcção.
fechei a porta.

já não sei
por onde me tenho
por onde me vou pisando,
como se fosse
parte de uma calçada
e preso
calco-me só para sentir
a saudade da perda e do desencontro
quando tudo acabar por se tornar mentira.

o tanto que não queria ter visto
pela luz morreu
e não quero saber agora
do tanto que nao vi
porque... sabes...
abraço-me tão melhor assim.

acabo de falar,
[caminho] agora
poisando o corpo cansado numa estrela
apago-a
e descanço no meu peito.

20070104

não passo de uma pedra
deita-te ao meu lado
conta-me nuvens para adormecer
e céus para... ( para o que quiseres )
pega em mim
atira-me para longe
e procura-me
encontra-me
atira-me para longe outra vez
e perde-me
afoga-me num lago
e mata comigo uma lua
perde-me
como se eu fosse uma pedra

agora a sério,[cuidado]
eu não sou uma pedra.

20070101

Num azul das nuvens e preto do céu, intermitente.

Hoje conjuguei o verbo 'esvaiar' no tempo Sangue um monte de vezes.
Não, não era para incomodar ninguém nem me pediram para o saber fazer, só queria saber
qual era a sensação de estar frio.
E consegui. Pior : eu já a conhecia.
Vou pensar que está tudo bem e tudo normal. Como se me tivesse sido deixado um cobertor para o caso de me perder.
Como se, subitamente, nascesse o sol e me levasse, pela mão, ver o mundo.
Estou só a alucinar, deixa lá. Vai enchendo copinhos para eu beber depois.

Agora, fora de todos os contextos possiveis para o meu pensar :

Foram mortes, dias, traumas, certezas de incertezas e nada mais.
Foram ruas soltas, com o tempo aos saltos de um lado para o outro .
Foram árvores que se desprenderam das suas raizes sem razão.

E o que é a razão?
Não há razão.
Não há uma razão que me explique, agora, a forma cruel e triste desta minha ausência.

Olhas as horas com as mãos na cabeça
por este caminho onde já caminho faz muito tempo
olho ,também eu, todos os minutos, segundos e medos.

Foi desta.

Podes sim. Podes dizer que sou uma pedra mas sabes , pelo menos, qual é o maior medo de uma pedra?
Eu também não sei.
Mas digo-te :
O meu maior medo, enquanto pedra, é não ter na vida a água e o vento que me faça desaparecer, devagar.
E tu que sonhas... como se ainda sonhasses ser o meu sangue, escuta as derradeiras palavras que tenho para ti.
Pois já não és o meu sangue.
Não te esqueças do copo que tens entre mãos. Agora é veneno. É tempo perdido. É tudo o que me passou pela cabeça quando te vi.
É nada e tudo isso.

Não te conto o quanto a roupa que veste o meu corpo se quer rasgar. Não te conto
o quanto a verdade me quer sair dos dentes . Não te conto o quanto quero ,eu, explodir-me na tua boca,
arrancar-te o corpo e deixar-te a alma presa a uma dor parecida com a que tenho agora.

CHHHHH!

Por momentos o meu coração parou. O próprio tempo parou.
Por breves instantes as chamas voltaram e vim de encontro ao meu corpo com o fogo do teu corpo.
Tudo parou por um bocadinho mais.
Não conseguia ouvir nada a não ser tudo o que tinha dentro da cabeça. Conheces o sentimento?
Os meus olhos viam e pouco mais. As minhas pernas, já cansadas e comigo deitadas num chão de pedra
que fizeste só para mim, morriam e tremiam no frio da falta de sangue .
O som parou. A cabeça parou. E nada fui, nada tive, nada fiz naquele momento.
Enquanto os meus olhos viam ( e pouco mais faziam ), fui feliz.
Fui feliz , enquanto as pessoas falavam e eu não as ouvia.
E isto tudo, para dizer, que não quero que te esqueças.
Não quero que te esqueças dos meus olhos agora que te despejei o coração na roupa, na cara, no corpo.
E não quero que me procures, quando nas ruas com caminhos de números e casas de cruzes me derem um lar.
Gritei bem alto para ninguém ouvir e com as mãos no chão bebi-te o meu sangue,num azul das nuvens e preto do céu,
intermitente.
O resto do meu corpo caiu então.
Fui feliz. Para sempre.



. yan