20071124

Procuro-me. No escuro. Na luz. Sou um absurdo, tenho medo de ter medo: incapaz. Tenho medo que alguém crie um espaço onde eu possa existir para além de nós, o mais sincero medo possível de existir para além de mim é o meu maior medo. Um grande medo desse medo urge aos saltos maquiavélicos, rodopia nos olhos da minha alma e sou o nada da solidão.

Procuro-me e é inquestionável a falta de presença que se apoderou de mim, cabeça em baixo porque a luz me cega e a minha sombra é escura como a solidão de uma pedra. É incrível como deixamos de fazer sentido quando o que existia de nosso em alguém evapora como uma lágrima do deserto. E aí sou sozinho, sozinho a mando de ninguém, todo meu e o que me rodeia é apenas pó com feitios e silhuetas que gesticulam coisas que não entendo, que falam outras línguas que não a minha. Falam-me do grande domínio e do meu controlo inexistente, de não me perceberam, de me acharem fora do sítio e estranho, de não me compreenderem e eu é que não os consigo compreender. A minha cabeça é a mesma que nasceu comigo. Nunca ninguém me quis compreender verdadeiramente porque nunca foi preciso. No fundo, não sou complicado, sou diferente. Como toda a gente. Todo o mundo é diferente e esse é o ponto mais triste da nossa existência: somos todos estupidamente o mesmo. Previsíveis, estúpidos, problemáticos, incoerentes, mentirosos, hipócritas, egoístas, verdadeiros, sinceros: uma merda, sinceramente.

Procuro-me e o mapa são linhas do fim. Retornos eternamente adiados pela culpa urgente que principia a existir, que não existe ainda, que pode vir a existir e só isso, só por si, me cola ao bordo do presente e me dá uma consciência atípica que não quero colada a mim. A consciência de que onde estou é longe daqui, muito longe do que sinto em mim e procurar-me é perder-me ainda mais, procurar-me é encontrar-te pelo caminho onde também te perdi e perder-me ainda mais, procurar-me é suster o mundo nos meus braços débeis e deixa-lo cair no universo e perder-me, palavra de honra, ainda mais.

Deixamos de existir quando desaparece o único naco de nós que ainda fazia sentido em alguém e eu, tal como tudo o que escrevo, deixei de fazer sentido quando o pedacinho de mim que cresceu em ti morreu e eu o perdi também.

20071115

inferno a frio

sozinho, chorei como uma criança de vidro, de medo. chorei como as plantas de uma manhã de orvalho,
a conta-gotas, enquanto o meu peito diminuía e se esvaziava da dor, do prazer. Chorei, a frio,
por ser só desta forma que a dor e o prazer de sentir a dor e o prazer se aviva e se dispersa em
mim, num frio de calor de inferno, onde as únicas palavras se escrevem no espaço da morte de todas as
palavras. sozinho, imortalizei todo o medo que há em mim e chorei, chorei como se o mundo dependesse
de cada lágrima que cedia, como se cada palavra de cada boca, de cada frase de cada ser, dependesse
de todo o meu sofrimento. nem claro, nem o escuro, nem o amor, chorei lágrimas e debrucei-me
no seguro de uma casa em chamas, um imenso lago de inferno em mim fulmina o soro das minhas veias e nesse momento, chorei.
chorei, e que horas serão neste século tão seco?
estarei cá para sempre, a chorar as águas de um rio que passa sempre, sem lágrimas
de criança, porque sempre é o mais ínfimo segundo do choro de uma criança.
choro, para sempre, na companhia de toda a solidão que me comove, nesta solidão
que é ver o meu corpo crescer na vontade viva de um menino quando tudo à minha volta
morre e eu, inconsciente, sigo pelo mesmo caminho.