20110415

poema das minhas doenças todas

ai se eu fosse maior, se eu ousasse poder pensar querer ser maior e se nessa ousadia,
ai, eu não adivinhasse poder ter inevitavelmente que sofrer,
ai, eu proporia ás divindades universais das galáxias do inferno e do céu
mudar para mim
toda a felicidade dos mundos envolventes
e
ai, que se eu não fosse tão doente e frágil assim como sou
ainda seria capaz de aproveitar dois ou três
dos pedacinhos de (toda a ) felicidade (do mundo) que não tolhessem ao tocar em mim.

20110410

poema de quando eu tenho medo

vais sobrevivendo mordazmente
aos tambores
de ferver na cidade
de ferver na cidade
DE FERVER NA CIDADE
aos tambores dos velhos na janela
aos tambores dos olhos dos velhos na janela
tacteando com as iris profundas da idade
o cinzento cannabico da juventude da praça
á meia noite
sobrevives
deslizas os braços de um lado ao outro da rua
fachadas de abrigo porque
o mundo não está a cair
mas parece que é inevitavel
que te caia em cima
os teus braços são gigantes
as pessoas páram a olhar para ti
porque tu és de certa forma
excepcional magnifico
completamente banal
uma autêntica besta
o fundo da rua sustenta uma igreja
abriga-te e reza
ou corre para o carro e tranca as portas
desliza os teus braços gigantes no porta moedas
procura as chaves do carro
as chaves do carro?
porque não paraste para rezar?
devias ter parado para rezar que o céu assusta-se
quando lhe falas
e afasta-se de ti
as chaves do carro?
a cidade está a ferver
as lâmpadas gaseadas explodem num pó de carne picada
as chaves do carro, tens que sair daqui
o metal que ampara as parabólicas encarna
discos voadores de canais e canais e canais
de pornografia
no vidro da frente do teu carro
merda
devias ter rezado
as chaves do carro!
vapores de gasolina
o barulho infernal da salvação
corre cavalo de rodas corre
não há vermelhos
tudo é vermelho
a cidade arde ferve arde derrete
tudo é vermelho não há passadeiras
atropela o vento e toda a gente, não há vento tudo é vermelho

é a tua casa
são os teus amigos
sobreviveste e agora chora
é a tua casa eles estão contigo
frescos, suaves, do teu tamanho
mete-te dentro deles
e acalma-te

que a cidade
nunca há-de penetrar no teu peito

por isso não temas um desastre nuclear
mas lembra-te sempre do caminho de casa
lembra-te sempre
do
caminho
da tua
casa.