20140909

Poema de quando nos esquecemos das coisas que importam

Não receies
Escuta

De que outra forma
Se ouviriam ao longe
Tempestades chilrear
Vontades de passarinho
Por entre chacais esfomeados?

Não receies
Escuta

Depois da memória
Há-de emergir uma nebulosa
Formar-se-ão novos anoiteceres
Por entre as manhãs infinitas
Dos tolos

Não receies
Escuta

O teu corpo pressente
Vorazes ruídos de animais extintos
Que são paixões tuas tangentes
Tropéis de lágrimas caladas
Esquecendo estranhos na tua cama
Mil coisas por acontecer

Não receies,
Dá-me ouvidos

Estão entre as palavras
Os cântaros de luz
Que com dedos de seda tacteamos
Perdendo nos recantos turvos da tempestade
O chilrear magnético

Das coisas pequenas.

20140404

poema de uma prisão

vem
que acendes em mim os sonhos
como estrelas no silencioso céu nocturno

vem
donde repousam os deuses e o vento
à noite
traz contigo
betão, muralhas e sangue

vem construir
um universo de ruínas
em meu redor

vem
que em teu ventre sussurram
ânsias de prisão,
jardins e arame farpado

deixa
que eu me encolha
nos meus metacarpos destroçados
de tanto tentar querer
fingir que fujo
empurrando o ferro e as fronteiras

não quero dormir
não quero estar calado
nem quero ter pele
não quero um catálogo de coisas felizes

só quero que
reforces a penitência

só quero que
me electrifiques também os sonhos.

20140318

poema sem ninguém dentro

a noite mostrou-me
sem fígado
pulmões
intestinos
rins
coração
vesícula
pâncreas

só carne
só osso

só um pensamento
ecoando pelas paredes
do meu torso

como um grito muito escuro
numa cordilheira sem gente.