Voltava a casa. Era fim de noite e os meus sentidos eram um baloiço embriagado, espreitava a espaços os meus braços, sujeitando-me á decadência ditatorial das luzes da estrada, da janela aberta do sr doutor que a esta hora acaba de ouvir Mozart e de beber uísque velho e se prepara para enfrentar mais uma noite de solidão, numa cama vazia como uma gaiola aberta, esperando que a luz me guie para bem perto de onde quero estar.
Ao mesmo tempo que a noite se torna um enorme poço de luz e trevas, o meu corpo de baloiço bêbedo desfaz-se num fumo com cores que não conhecemos. e tu vês as minhas pernas em cinza entrarem-te pelo nariz como o odor adolescente da cocaína, todo o meu torso, vísceras, braços, envolvem-te num sono que não se esquece e que te aquece como as manhãs de sol do inverno, pelos meus pulmões sobe até ao teu pescoço um beijo de veneno e a chuva deste desencontro afaga-te os cabelos. Perguntamos se podemos descer mais, mas mais que isto é tocar no céu.
20130521
20130518
Todas as persianas da noite
Todas as
persianas na noite,
Purpura de
fogo
Esta velhice
ansiosa
De querer
salvar todas as almas
Sem saber
que todas
Exasperam em
convulsões de suor
Por entre as
mãos das ondas
E por entre
o suspiro brumal
Dos sussurros
do amor
E do teu
suspiro
Só persianas
à noite
Que pensas
serem casas a arder
O fogo que
nunca aqueceu
As tuas mãos
E o mar em
volta.
20130502
retrato de uma praia que nunca verei
Prostrei-me sem cor
Tolhido de um frio
de morte
Que me descia corpo
a baixo
Na mais séria
impavidez
Perante o retrato da
praia das luzes
A subversão do areal
À noite
Milhares de
infâncias rochosas,
Velhices rochosas,
Oblívios do vento.
Como eu,
Que te cubro as
pernas
Fechando os olhos da
memória
Que te aperto os
seios
Fechando os olhos da
memória
Que me esqueço de ti
Fechando os olhos à
memória.
Aqui onde os meus
pés
Atingem o solo como
espectros impossíveis
Desaparecendo no levadiço
Que me engole o
corpo de pedra,
Da velhice óssea,
Da velhice cárnea,
Evocações do rancor
das trevas.
Eu duas pinturas,
Um piano abençoado
Uma única nota
desafinada
Uma arte em combate
Contra si própria
Com os pés presos na
areia,
Os olhos cegos de
falta de luz
A noite fria
E o teu corpo a
fazer-me falta
Em todos
Os movimentos.
Eu açambarcando
Um cobertor
A ressaca
A tomar consciência
da casa e não da areia
Nem da praia
Nem da noite
Eu um retrato
envelhecido
de um corpo humildemente vencido
na doçura de um
tempo humanamente parado.
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