que só de te ouvir
que só de te traçar a mão trémula no meu peito
me lembro de putas e pássaros
de vinho e de canções
da sarjeta imunda e tuberculosa que foi a minha adolescência
da vacina de ódio que inoculou o sol e as sombras
que só de pensar que existes
me vem logo á cabeça um monte de palavras dificeis
que me torcem por dentro qual lavadeira á beira rio
para confundir ainda mais o suor do passado
quando ouvíamos os negros do jazz baloiçando-se
ora dentro ora fora das suas próprias orbitas
e nos riamos embriagados de cegueira
cegos de vinho e paixão e sexo
isto tudo diz sempre tanto
não achas?
que só de te olhar
estendida nesse jazigo
reaparecem-me na memória as chamadas que te fiz para casa
enquanto agente de seguros, na ansia que o teu marido obeso e prenho de si mesmo
já tivesse morrido ou implodido
para termos uma ou duas horas de amor de ocasião
e depois dois beijos e adeus
tão prestável
e olha agora
o que é de mim
sem cigarros nos bolsos e comi um pastel
cago pra tudo
ninguém me conhece no teu funeral pensam que me enganei
porque eu estou aqui como se me obrigassem a levar com a ambiguidade
de ter um sol as costas
de estar sempre agradavelmente quente
e de me queimar
e no fim
diz-se sempre tão pouco,
não achas?
5 comentários:
confesso que ja li isto... muitas vezes! wow
maçada nenhuma!
és tão bom que metes nojo, oh Alves.
porque na altura em que o escrevi pareceu-me o ideal para relaxar, para esquecer um pouco que o mundo anda de pernas para o ar.
obrigada pela visita.
tens bons textos por aqui. *
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