20090319

que só de te ouvir
que só de te traçar a mão trémula no meu peito
me lembro de putas e pássaros
de vinho e de canções
da sarjeta imunda e tuberculosa que foi a minha adolescência
da vacina de ódio que inoculou o sol e as sombras

que só de pensar que existes
me vem logo á cabeça um monte de palavras dificeis
que me torcem por dentro qual lavadeira á beira rio
para confundir ainda mais o suor do passado
quando ouvíamos os negros do jazz baloiçando-se
ora dentro ora fora das suas próprias orbitas
e nos riamos embriagados de cegueira
cegos de vinho e paixão e sexo

isto tudo diz sempre tanto
não achas?
que só de te olhar
estendida nesse jazigo
reaparecem-me na memória as chamadas que te fiz para casa
enquanto agente de seguros, na ansia que o teu marido obeso e prenho de si mesmo
já tivesse morrido ou implodido
para termos uma ou duas horas de amor de ocasião
e depois dois beijos e adeus
tão prestável



e olha agora
o que é de mim
sem cigarros nos bolsos e comi um pastel
cago pra tudo
ninguém me conhece no teu funeral pensam que me enganei
porque eu estou aqui como se me obrigassem a levar com a ambiguidade
de ter um sol as costas
de estar sempre agradavelmente quente
e de me queimar

e no fim
diz-se sempre tão pouco,
não achas?

5 comentários:

ashtray girl disse...

confesso que ja li isto... muitas vezes! wow

ashtray girl disse...

maçada nenhuma!

Anónimo disse...

és tão bom que metes nojo, oh Alves.

Anónimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Daniela Morgado disse...

porque na altura em que o escrevi pareceu-me o ideal para relaxar, para esquecer um pouco que o mundo anda de pernas para o ar.

obrigada pela visita.
tens bons textos por aqui. *